Academia.eduAcademia.edu
João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Índice 1 Introdução ……………………………………………………………………………… 3 2 Contextualização política e económica …………………………………….………. 3 3 A definição da malha urbana em torno da Praça da Alegria ……………....……. 5 4 A evolução do edificado na Praça da Alegria ………………………………………. 11 5 A Praça da Alegria nos inícios do século XIX …………………………………..…. 17 6 História da construção do imóvel …………………………………………………..… 21 7 Francisco Joaquim de Campos, o homem ………………………………..………… 25 8 Análise estética e artística da Casa das Varandas ………………….……………. 29 8.1 A Arquitectura ………………………………………………………………… 29 8.2 A autoria atribuível a Vicenzo Mazzoneschi ……………………….……… 39 8.3 A pintura mural ………………………………………………………………... 42 8.4 A azulejaria ……………………………………………………………….……. 54 9 Percurso ao longo dos séculos XIX e XX …………………………………….……… 56 9.1 Um inquilino notável, Dr. António Bernardino Gomes ……………..……… 57 9.2 O Visconde de Picoas …………………………………………………..……. 61 9.3 A Família Costa e Silva ……………………………………………..………. 62 9.4 A Família Peixoto ……………………………………………………………… 64 9.5 A Família Oliveira Esteves ………………………………………….……….. 68 9.6 As empresas privadas ……………………………………………..…………. 72 10 Conclusão ………………………………………………………………………….…… 75 Fontes e Bibliografia ………………………………………………………………….…… 77 10 de Novembro de 2005 1 A Casa das Varandas da Praça da Alegria 2 João Miguel Simões 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria 1. Introdução No Outono de 1807, Junot, sob as ordens de Napoleão, ocupou Lisboa sem resistência. Aqui, fervilhava uma burguesia animada com a liberalização dos sectores produtivos. Para parte desta elite, a invasão francesa não representava grande inconveniente, antes pelo contrário. Trazia a esperança numa reforma necessária ao Estado que não soubera acompanhar os elementos mais dinâmicos da sociedade. Destacando-se deste contexto, surgem personagens como Francisco Joaquim de Campo o qual, enquanto os Franceses marchavam no Rossio, decidiu investir, na construção de um prédio de rendimento vocacionado para acomodar a elite burguesa incluindo médicos, diplomatas e, quem sabe, oficiais de alta patente franceses. Este prédio ficaria conhecido como a “Casa das Varandas da Praça da Alegria”. Expulsos os invasores, a Casa das Varandas continuou a servir a sua função ao longo de duzentos anos, tendo caído no esquecimento a sua história, valor artístico e importância para o entendimento da cidade de Lisboa. Por iniciativa da “Companhia de Seguros Sagres S.A.”, o entendimento da Casa das Varandas foi recuperado na forma da presente monografia. De facto, a Casa das Varandas possui múltiplas dimensões históricas: insere-se numa praça projectada de raiz pelos obreiros da Baixa Pombalina, é um manifesto arquitectónico e artístico contra a uniformidade dos projectos de Pombal e é um testemunho da vivência dos diversos proprietários que protagonizaram a sua história. 2. Contextualização política e económica O planeamento e urbanização da Praça da Alegria e a construção da “Casa das Varandas” deriva de uma conjuntura política, social e financeira que se iniciou com o governo do Marquês de Pombal (1750-1777) e durou até às Invasões Francesas (1807). Este período governativo demarcou-se pela concretização de ideias mercantilistas, tais como incentivar as exportações e impedir as importações. Pombal desenvolveu uma política destinada a activar as manufacturas sob o controlo ou protecção do Estado. Por todo o país foram criadas “reais fábricas” que detinham o monopólio de um determinado produto. A sua direcção era atribuída pelo Estado a um burguês que assumia o contrato de exploração do monopólio. 10 de Novembro de 2005 3 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Neste sistema foram desenvolvidas as indústrias dos lanifícios, dos vidros, das loiças, do vinho do Porto, das pescas, etc1. Estas explorações não foram entregues à velha nobreza, mas antes a um grupo de burgueses criteriosamente escolhidos por Pombal. O Ministro de D. José sabia que a nobreza lhe era hostil e que não tinha capacidade para assumir o início do capitalismo português, pois estava presa à tradição, ao luxo e à ostentação. Entregar as indústrias a esta classe seria o seu fim. Assim, Pombal criou uma nova classe, uma burguesia que hoje poderemos chamar de “proto-capitalista”, destinada a constituir uma nova nobreza que liderasse o país em direcção à modernidade2. Apesar de rapidamente enriquecida, esta burguesia manteve-se discreta durante o consulado de Pombal. A austeridade e sobriedade deste governo não permitiam que os recursos fossem gastos em luxos. Só nos últimos anos do governo de Pombal lhes foi permitido o acesso a títulos e à instituição de morgados. Depois do seu afastamento, os lucros foram aplicados na construção de alguns palácios particulares. Apenas em 1792 esta elite viria a empreender em conjunto a construção de uma obra faustosa: o Teatro de São Carlos3. Com o afastamento de Pombal (1777), o governo que lhe sucedeu quis modificar a política económica nacional. Contudo, acabariam por ser reconhecidos os benefícios da orientação de Pombal4. Houve, no entanto, uma mudança que viria a gerar grandes repercussões: as “reais fábricas”, propriedade do Estado e delegadas a capitalistas da confiança de Pombal, foram quase todas privatizadas5. De igual forma, liberalizou-se a criação de novas fábricas. Se até aqui as reais fábricas tinham um contrato monopolista, passou a haver licença para a criação de novas fábricas que proliferaram por todo o país6. Esta liberalização industrial levou a que o investimento na reconstrução da Baixa Pombalina abrandasse, uma vez que as casas de arrendamento estavam vazias por falta de inquilinos. O investimento passou a ser dirigido para a criação destas novas fábricas de total iniciativa privada Será portanto no seio desta nova burguesia, capitalista ao modo de Pombal, que iremos encontrar as mais interessantes expressões da arte dos finais do século XVIII e de inícios do XIX. Cf. SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História de Portugal, Vol. VI, 1982, p. 191 e seguintes. Cf. FRANÇA, José-Augusto, Lisboa Pombalina e o Iluminismo, 1987, p. 248. 3 Cf. Idem, Op. Cit., p. 250. 4 Cf. SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Op. Cit., p. 401. 5 Cf. Idem, Op. Cit., p. 417. 6 Cf. Idem, Op. Cit., pp. 419 e 420. 1 2 4 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria 3. A definição da malha urbana em torno da Praça da Alegria A Praça da Alegria situa-se no que antes do Terramoto de 1755 se chamava o “Valverde”, ou “parte de baixo da Cotovia”, um conjunto de hortas que separavam as colinas ocidentais e orientais da cidade, muito utilizadas pelos lisboetas em actividades lúdicas. Era uma zona pouco densificada, com alguns palácios que viriam a ser totalmente destruídos com o grande sismo de 1 de Novembro de 1755. Para se entender como nasceu a Praça da Alegria importa analisar o processo de reconstrução urbana da cidade de Lisboa protagonizado Pombal após este cataclismo. A teorização de como se deveria reconstruir a cidade coube ao engenheiro militar Manuel da Maia que propôs várias hipóteses. A sua preferida era a de abandonar a velha cidade de Lisboa e construir uma nova capital em Belém. Contudo, esta ideia arrojada interferia com os interesses da elite burguesa que acabou por custear todo o processo. Assim, optou-se pela segunda proposta (mais radical) que consistiu na destruição dos restos da cidade velha e na sua reconstrução sob um projecto de urbanização iluminista, ordenado e moderno, como nunca antes havia sido visto na Europa. O projecto da Baixa Pombalina saiu do risco de Eugénio dos Santos que seguiu as ordens de Manuel da Maia: traçar a cidade sem constrangimento pelos edifícios pré-existentes (mesmo as igrejas), apenas com o cuidado de criar algumas praças7. A Praça era uma peça fundamental do urbanismo pombalino. As duas grandes praças préexistentes, o Rossio e o Terreiro do Paço, foram mantidas, alargadas e regularizadas. Pretendiase fazer da Praça (e não da igreja paroquial) o centro social e económico da cidade. Já antes do Terramoto, Manuel da Maia havia alertado o rei D. João V para se proceder ao reordenamento da Freguesia de Santa Isabel, que crescia desorganizadamente, prevendo a existência de terrenos reservados para a construção de praças e de mercados8. Outra preocupação do engenheiro militar foi a de multiplicar pela cidade o número de fontes públicas, já em grande número graças à construção pelo Senado de Lisboa do grande Aqueduto, no reinado de D. João V9. A relação entre Praça e Fonte Pública não é de menosprezar no urbanismo pombalino (e mesmo anterior). A Fonte Pública era um instrumento de ordenamento visual das novas praças, já desde os projectos de Carlos Mardel (1750). As fontes de Mardel eram construções monumentais, com um espaldar arquitectónico ricamente decorado, encostado a um dos alçados Cf. Idem, Op. Cit., p. 89. Cf. Idem, Op. Cit., pp. 88 e 89. 9 Cf. Idem, Op. Cit., p. 91. 7 8 10 de Novembro de 2005 5 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões da praça, passando a ser o seu pólo de atenções. São exemplos desta tipologia os chafarizes do Largo do Rato, da Esperança, entre outros já desaparecidos ou nunca concretizados10. Nas plantas finais da Baixa Pombalina, apresentadas ao Duque de Lafões em 19 de Abril de 1756, não está prevista qualquer intervenção na zona da futura Praça da Alegria. O tecido urbano da cidade não ia para além do Rossio preferindo-se expandir a reforma urbanística para a zona ribeirinha ocidental11. A distribuição dos lotes para urbanizar de acordo com o novo plano começou em Outubro de 176012. Os principais compradores foram os membros da burguesia que desejavam instalar nesta zona os seus estabelecimentos comerciais. Foi a burguesia comerciante o grande motor da urbanização da Baixa Pombalina, de tal forma que o Terreiro do Paço passou a denominar-se de “Praça do Comércio” em honra daqueles que custearam o seu pagamento13. A nobreza afastou-se deste processo. O caso do Valverde é exemplificativo. Os três grandes palácios que existiam nesta zona, propriedade de três grandes famílias do reino, foram destruídos e nunca mais foram reedificados. O tecido meio popular meio aristocrático foi substituído por um de iniciativa totalmente burguesa14. O triunfo das ideias de ordenamento racional da cidade levou a uma vontade de expandir Lisboa muito para além dos seus limites anteriores ao Terramoto. Esta ideia surgiu quando se viu na reconstrução da cidade uma oportunidade para tornar Lisboa uma das mais belas cidades da Europa. O facto de criar novas praças de grandes dimensões, aumentar a largura dos arruamentos e impedir a escalada em altura dos novos edifícios iria obrigar a que a cidade se alargasse muito para além do seu limite para albergar toda a população. Em Agosto de 1757 surgiu um projecto utópico de urbanização do lado ocidental da cidade que previa a criação de inúmeras praças de grandes dimensões. Onde hoje existe a Praça da Alegria estava prevista uma praça circular à qual se podia aceder através de seis ruas15. Cf. CAETANO, Joaquim Oliveira, Chafarizes de Lisboa, 1991, p. 76. Cf. FRANÇA, José-Augusto, Op. Cit., p. 95. 12 Cf. Idem, Op. Cit., p. 115. 13 Cf. Idem, Op. Cit., p. 117. 14 Cf. Idem, Op. Cit., p. 137. 15 Cf. AHMOP, Segundo projecto de urbanização da parte ocidental de Lisboa. Assinado por Eugénio dos Santos, Carlos Mardel, E. S. Poppe e A. C. Andreas, em 1756-1757, publicado por FRANÇA, José-Augusto, Op. Cit., p. 148. 10 11 6 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Fig. 1 Pormenor da planta de Carlos Mardel, Eugénio dos Santos, Elias Sebastião Poppe e Carlos Andreis para a urbanização do lado ocidental da cidade de Lisboa. Agosto de 1757. AHMOP. Verifica-se a existência de diversas praças entre as quais uma circular onde hoje se situa a Praça da Alegria. A opção pela urbanização do lado ocidental de Lisboa decorria da intenção de instalar no planalto de Campo de Ourique um grande palácio real, rodeado de jardins e palácios da nobreza, com acesso fluvial pela ribeira de Alcântara e abastecido pelo Aqueduto das Águas Livres. Para fazer a ligação entre esta cidade dos nobres e a cidade dos burgueses e povo era necessário urbanizar um eixo de união que abrangia a Praça da Alegria, Cotovia, Amoreiras e Rato, bairros que receberam planos de urbanização16. No entanto, esta cidade nova nunca foi edificada. Os nobres preferiram construir os seus palácios nas quintas da cintura agrícola de Lisboa que não foram afectadas pelo Terramoto. O rei também preferiu instalar-se na Ajuda. Pombal deu prioridade à reconstrução da cidade burguesa deixando para depois o alargamento da cidade. A expansão urbana que realmente ocorreu ficou muito aquém do projecto de 1757 pois foi baseada apenas nas reais necessidades da população em se instalar na cidade, urbanizando-se pontualmente determinados bairros da cidade. Em 1764 iniciou-se a construção do primeiro “Passeio Público”, antecessor da actual Avenida da Liberdade, que foi projectado pelo Arquitecto Reinaldo Manuel. Tratava-se de uma pequena alameda de 300 metros de cumprimento, mas foi o primeiro jardim público em Lisboa, e o segundo (depois dos de Queluz) a ser projectado por um arquitecto. Pelas suas reduzidas dimensões, este espaço foi criticado na época por viajantes estrangeiros17. ROSSA, Walter, “A Cidade Portuguesa” in PEREIRA, Paulo, (Dir.), História da Arte Portuguesa, Vol. 3, 1995, pp. 300 e 301. Idem, “Do Plano de 1755-1758 para a Baixa-Chiado” in Monumentos, n.º 21, p. 31. 17 Cf. Idem, Op. Cit., pp. 137 e 138. 16 10 de Novembro de 2005 7 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Em 1770, realizou-se um projecto de reordenamento urbano das freguesias de Lisboa, da autoria do sargento-mor José António Monteiro de Carvalho, o célebre “Bota-abaixo”, assim designado por derrubar com cargas de pólvora as ruínas sobreviventes ao Terramoto, perante o terror da população. Este trabalho foi realizado com uma metodologia diferente dos planos pós terramoto. Em vez de se projectar a cidade como um todo, prevendo a participação do Estado, da nobreza e da burguesia, a opção recaiu num reordenamento do tecido urbano de cada uma das freguesias de forma desconexa tendo em conta apenas as necessidades e os interesses económicos dos proprietários. No plano de 1770, previu-se a urbanização da freguesia de São José18. Nesta planta encontramos, pela primeira vez, o desenho da Praça da Alegria tal como a conhecemos, apesar de não ser assim denominada. É interessante verificar que esteve prevista a substituição do Passeio Público por um tecido urbano denso. Fig. 2 Planta de reordenamento da Freguesia de São José, da autoria de José António Monteiro de Carvalho, c. 1770. IAN/TT, Casa Forte, Mss. 153. Esta planta definiu a malha urbana da Praça da Alegria e da sua envolvência. Este novo plano de ordenamento da freguesia de São José, era marcado por duas artérias principais que saíam das traseiras do Palácio da Inquisição em direcção a Norte. A primeira, plenamente orientada com o Norte seguia paralela à pré-existente Rua de São José, que não foi Cf. “Planta da Freguezia de São Jozé” in IAN/TT, Casa Forte, manuscrito n.º 153, publicada por SANTANA, Francisco, Lisboa na 2ª metade do séc. XVIII, s. d., p. 51. 18 8 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria suprimida. A sua função era a de um eixo orientador no crescimento da cidade, estando já previsto na planta utópica de 1757. A segunda via estruturante seguia em direcção a Noroeste, unindo o Rossio à pré-existente Rua do Salitre. Ligando estas duas vias, foram projectadas várias travessas paralelas à Rua dos Condes. Uma delas ia desembocar a uma praça de forma quadrada que é hoje a Praça da Alegria. A todas estas ruas foi dado o título de “ruas novamente projectadas pelas Hortas”, o que denuncia serem ruas novas que não existiam antes e que foram projectadas sobre o campo. A Praça da Alegria seria assim o espaço público necessário no tecido urbano muito densificado da freguesia de São José, pois previa-se a supressão do Passeio Público. Mas mesmo este projecto parcial que respeitava as preexistências construídas não foi concretizado na totalidade. A razão principal para este novo falhanço é o abrandamento do investimento dos lisboetas na reconstrução da cidade. Como já verificámos, a classe empreendedora da urbanização da nova Lisboa era a burguesia que pretendia transformar as novas construções em prédios de rendimento. O piso térreo era destinado a lojas e os pisos superiores para habitação sendo depois tudo arrendado. Nos anos seguintes ao Terramoto construíram-se mais casas de aluguer que em toda a história da cidade de Lisboa até então. O ritmo de construção só abrandou devido ao facto de grande parte das casas estarem vazias e sem inquilinos o que afastou o investimento dos promotores. Este fenómeno é explicado pela construção de um grande número de barracas por parte dos lisboetas que não tinham dinheiro para construir a sua casa em alvenaria e não podiam pagar as avultadas rendas que a burguesia exigia por um apartamento. O Senado municipal tentava contrariar esta construção ilegal e desenfreada que prejudicava o ritmo das obras da Baixa, mas em vão19. A este facto acresce a queda de Pombal e a liberalização da Indústria. O investimento na construção e desenvolvimento de novas fábricas afigurava-se mais aliciante do que investir na construção de prédios para os quais não havia moradores. Por outro lado, o Estado deixou de exigir aos proprietários que reedificassem as suas habitações de acordo com um plano prédefinido. O abrandamento do investimento na urbanização da Baixa depois de 1777 pode explicar a opção de não se cumprir o projecto megalómano de 1757, nem tão pouco o de 1770, que urbanizava totalmente a Freguesia de São José. 19 Cf. FRANÇA, José-Augusto, Op. Cit., p. 140. 10 de Novembro de 2005 9 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões O pequeno e criticado Passeio Público permaneceu de pé mais algumas décadas. Este terminava a Norte numa praça rectangular, estreita e cumprida, que ficaria conhecida como “Praça da Alegria de Baixo” Encostado a um dos topos desta praça existia um chafariz público, evidenciando, mais uma vez, a relação entre praça / chafariz no urbanismo de setecentos. O acesso a esta praça era feito por três ruas: a Rua do Salitre (pré-existente e irregular, que desembocava escondida a um dos cantos da praça), a Rua das Pretas (que ligava ao lado oriental da cidade e à Rua de São José que continuava a ser o eixo em direcção ao Norte) e a Praça da Alegria (que ligava ao lado ocidental da cidade: o Bairro Alto). Fig 3 Praça da Alegria de Baixo, onde terminava o Passeio Público. Esta Praça dava acesso à Rua das Pretas, Rua do Salitre e Praça da Alegria de Cima. Atlas da Carta Topográfica de Lisboa sob a direcção de Filipe Folque: 1856-1858. A urbanização planeada por Monteiro de Carvalho apenas vingou nos locais que não possuíam habitações (ou que as possuíam muito arruinadas) e isto porque servia os interesses dos proprietários, num primeiro momento, e, mais tarde, da burguesia capitalista. Ilustrando esta junção entre preexistência e planeamento pombalino encontramos, portanto, a actual Praça da Alegria e as ruas envolventes. A Praça da Alegria foi assim projectada por Monteiro de Carvalho por volta de 1770, sendo demarcada e baptizada antes de 1773. Neste ano, a 1 de Fevereiro, o Marquês de Pombal mandou instalar nesta praça as vendedeiras que tinham os seus lugares no Rossio e no Largo de São Domingos. Refere-se, pela primeira vez, a “Praça da Alegria” com este nome. Curiosamente, é desconhecida a razão que levou à adopção deste topónimo. No plano de Monteiro de Carvalho estavam projectadas duas ermidas nas imediações da Praça da Alegria: uma dedicada a Nossa Senhora da Glória e outra a Nossa Senhora da Pureza. Estas ermidas nunca foram concretizadas, mas existiram ruas que as referiam, revelando que o topónimo de “Alegria” deveria remeter também para um orago mariano: “Praça de Nossa Senhora da Alegria”. 10 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Fig 4 Praça da Alegria de Cima e envolvência urbana. Atlas da Carta Topográfica de Lisboa sob a direcção de Filipe Folque: 1856-1858. O povo, que baptizava as ruas e praças pela vivência que delas ia tendo, foi-lhe chamando outros nomes. O que mais memória deixou foi o de “Praça do Suplício”, porque ali foi enforcada Isabel Xavier Clesse por ter envenenado o seu marido20. A “Praça da Alegria de Baixo” também chegou a ser chamada “das Ervas” e “do Chafariz”21, mas estes topónimos são posteriores e derivam da feira de fenos que aí se realizava e do chafariz que aí existia, tendo ambos os termos desaparecido com a perda destes elementos de referência. A própria Praça da Alegria de Baixo acabou por ser suprimida com o aumento do Passeio Público. 4. A evolução do edificado na Praça da Alegria Para se fazer a História da evolução das construções da Praça da Alegria é essencial consultar a documentação da “Inspecção dos Bairros” guardada na Torre do Tombo. Para a concretização do plano urbanístico, tanto na Baixa como nos outros locais a serem intervencionados por Pombal foi criada a “Inspecção Geral do Plano para a Reedificação da Cidade” presidida por um “Inspector-geral” que era auxiliado por vários “Inspectores de Bairro”. A Cf. SEQUEIRA, Gustavo Matos, Depois do Terramoto: subsídos para a História dos Bairros Ocidentais de Lisboa, Vol. 2, 1967, pp. 492 a 493. 21 Cf. MACHADO, Virgílio, O Doutor Bernardino Gomes 1768-1823: a sua vida e sua obra, 1925, p. 89. 20 10 de Novembro de 2005 11 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões sua tarefa era levar os privados a concretizarem e a cumprirem o “Plano para a Reedificação da Cidade”, havendo também uma tarefa de mediação entre os vários proprietários sempre que se davam conflitos. No plano prático, este serviço era concretizado pelo sargento-mor Engenheiro José António Monteiro de Carvalho. É portanto nos processos das inspecções dos Bairros que vemos nascer as primeiras casas Praça da Alegria. Num requerimento dirigido à Inspecção-geral22, em Junho de 1770, o Beneficiado Padre Alexandre José dizia que era proprietário de uma casa no “sítio da Cotovia de São José”. Não era ainda utilizado o termo de “Praça da Alegria”, mas sabemos que se situava aí por factos que mais tarde serão referidos. O Padre Alexandre queixou-se que a sua propriedade se encontrava enterrada porque o local tinha sido utilizado como depósito de entulho, pelo que pede que lhe fosse fornecido o “prospecto” do imóvel que deveria construir de acordo com o Plano de reedificação da Cidade. Segundo uma informação interna de João Álvares de Carvalho, o suplicante tinha razão, pois o local fôra entulhado com o objectivo de elevar a cota do local para atenuar o relevo natural. Como consequência, a casa do Padre Alexandre encontrava-se enterrada até aos sobrados do primeiro piso, pelo que necessitava ser demolida e reconstruída de acordo com a nova cota do terreno. Assim, é proposto que seja dado ao proprietário o desenho do alçado daquilo que ele deveria construir na sua propriedade, tal como já se fizera com alguns vizinhos seus. A 4 de Outubro de 1770, o Inspector do Bairro do Andaluz mandou que o sargento-mor Engenheiro José Monteiro da Costa desse ao requerente o projecto da sua nova casa, ficando o proprietário obrigado a construir a fachada de acordo com o desenho e alinhar a casa no terreno, de acordo com o plano urbano de arruamentos. Note-se que apesar de não haver referência ao nome das ruas, em Outubro de 1770, já existia uma noção clara do que seria feito naquela zona. Sabemos que a nova casa do padre Alexandre se situa na Praça da Alegria devido a problemas que veio a ter com os vizinhos, anos mais tarde. Em Setembro de 1774, temos outros processo que nos comprova que a Praça da Alegria foi aberta com a demolição de casas pré-existentes e com a alteração do traçado original das ruas. Nesta data, o Padre Cipriano Nunes Colares solicitou à Inspecção dos Bairros que o produto da venda em hasta pública da sua casa lhe fosse entregue23. Este imóvel situava-se na Rua do 22 23 Cf. IAN/TT, Inspecção dos Bairros, Andaluz, Maço 2, n.º 9. Cf. Ibidem, Maço 2, n.º 11. 12 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Salitre mas, devido ao novo reordenamento, ficou em plena Praça da Alegria, completamente entulhada. Este é o primeiro processo que menciona a “Praça da Alegria”. De facto, José-Augusto França refere que este espaço público foi aberto em 177324, baseando-se no Aviso de 1 de Fevereiro de 1773 em que o Marquês de Pombal mandou preparar a Praça da Alegria, “cita na Cotovia de Baixo” com vista à instalação de vendedeiras25. As casas do Padre Colares foram vendidas num leilão organizado pela própria Inspecção dos Bairros, tendo sido adquiridas por Custódio Vieira da Cruz que depositou os 150.000 réis no “Depósito da Corte”. O facto de estes imóveis terem sido vendidos num leilão evidencia que a concretização do plano de urbanização não se condoía com proprietários que não tivessem recursos para a reconstrução das suas habitações. Nestes casos, os lotes eram vendidos por qualquer preço a quem se comprometesse a reedificar segundo o projecto fornecido. No ano seguinte (1775), temos a informação de que já existia uma frente de casas em fase de finalização na Praça da Alegria26. Trata-se das casas cuja fachada estava voltada a Sul. O início da construção por esta frente deverá estar relacionada com a boa exposição ao Sol, pelo que estes lotes seriam os mais apetecíveis. Contudo, começavam já surgir graves problemas entre os vizinhos. A questão residia na construção da parede de guarda-fogos, uma parede grossa, de invenção pombalina e que tinha por função evitar a propagação de fogos entre edifícios. Segundo as directrizes da época, esta parede deveria ser construída a meias pelos proprietários dos dois imóveis. No entanto, os lisboetas revelaram-se profundamente individualistas e a construção nunca era partilhada, preferindo os vizinhos construir duas paredes individuais que se encostavam. Em Fevereiro de 1775, o proprietário Casimiro José estava a acabar de construir uma casa na Praça da Alegria composta por lojas, piso superior com sete janelas e águas furtadas. Tinha construído, de acordo com os regulamentos do Plano da Cidade a parede meeira e esperava que o seu vizinho lhe pagasse a metade da despesa. O vizinho era o Padre Alexandre (de quem já falámos) que tinha entregue a tarefa de reconstrução da sua casa ao irmão, Melquíades Manuel da Silveira Lobo. Por sua vez, este recusara-se sempre a pagar preferindo construir uma parede só sua que se encostasse à do vizinho. Casimiro José queixou-se à Inspecção dos Cf. FRANÇA, José-Augusto, Op. Cit., p. 151. Cf. CÂNCIO, Francisco, Lisboa: Tempos Idos, Vol. 2, 1958, p. 306. 26 Cf. IAN/TT, Inspecção dos Bairros, Andaluz, Maço 2, n.º 9. 24 25 10 de Novembro de 2005 13 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Bairros que lhe deu razão, reafirmando que a parede de guarda-fogos deveria ser custeada a meias. A Inspecção dos Bairros mandou os pedreiros Joaquim Pereira Caroço e Luís António Seabra avaliarem a parede chegando à conclusão que os dois irmãos deveriam pagar 96.304 réis ao vizinho Casimiro Alves. Fig 5 Casa pombalina na Praça da Alegria (demolida). AFCML, A 56663. Este edifício foi feito de acordo com os projectos impostos pela “Inspeção-geral do Plano para a Reedificação da Cidade” Porém, a dívida nunca foi paga, tendo Casimiro Alves feito uma nova queixa em Abril de 1775. A Inspecção dos Bairros deu a Melquíades um prazo de 24 horas para proceder ao pagamento. O processo arrastou-se porque ambos os irmãos remetiam para o outro a obrigação do pagamento. Como nenhum assumia a dívida, o Estado avançou com a penhora dos bens do proprietário, Padre Alexandre José, em Maio de 1775. Contudo, o sacerdote escondeu os seus bens e quando o Juiz do Crime se deslocou à sua residência (que era emprestada gratuitamente por um ourives) não encontrou nada para além de uma cama velha. A solução foi penhorar a casa na Praça da Alegria que era a fonte de todos os problemas. A descrição da penhora da casa do Padre Alexandre José, feita a 11 de Maio de 1775, diznos que o imóvel ainda estava em construção e que era composto por três lojas, um piso superior com seis janelas e águas furtadas. Tinha um quintal com parreiras e algumas árvores, 14 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria confrontando a nascente com casas de Domingos Afonso e a poente com casas de Casimiro Alves. Temos aqui a primeira frente de casas construída na Praça da Alegria. Os avaliadores referem que o imóvel se encontrava no lado do Norte Praça da Alegria, junto à Rua Nova das Virtudes (note-se o topónimo mariano). Referem que consta de um pavimento de lojas dividido em dois moradores e por cima dois pavimentos de sobrado dividido em dois moradores cada pavimento e por cima suas águas furtadas. E no centro da propriedade tem seu quintal, a qual propriedade se anda edificando e não tem ainda as suas divisões das casas que há-de ter cada morador nem estão assoalhadas nem forradas e estão de todo incompletas. E confrontam da parte do Sul com a Rua Pública, para onde têm a servidão, e do Norte com terra que tem aforado o Capitão Manuel Rodrigues Pereira Lima e do Nascente com casas de Domingos Afonso que também se andam edificando e do Poente com as casas do exequente Casimiro Alves e são edificadas em chão sobre-enfiteuticado ao Capitão Carlos José Vieira da Silva a quem pagam de foro nove mil oitocentos e oitenta réis (…)27. Pelo que fica exposto, percebe-se que o imóvel havia sido construído como prédio de rendimento. A casa foi avaliada em 1.200.000 réis e, como tal, não foi penhorada para pagar uma verba de apenas 96.304 réis. Após este desfecho, o Padre Alexandre José colocou uma acção contra Casimiro Alves num tribunal civil em que o acusava de ter construído ilegalmente uns anexos no logradouro, não respeitando o plano de urbanização da cidade. Apesar desta ser uma questão da competência da Inspecção dos Bairros o padre optou por interpô-la num tribunal civil. A sentença ditou que Casimiro Alves devia demolir os anexos. Este fez queixa à Inspecção dos Bairros gerando uma situação desconfortável pelo facto desta instituição ter que deliberar sobre uma sentença de um tribunal. O Inspector do Bairro Alto, Jerónimo de Lemos Monteiro e o Sargento-mor, Engenheiro José Monteiro de Carvalho, remeteram a decisão para o Inspectorgeral. O “Bota-abaixo”, contudo, era de opinião que não caberia a um tribunal civil pronunciar-se sobre as alterações urbanísticas da cidade: porquanto pelas leis de reedificação da Cidade só a V. Ex.ª pertence o conhecimento de tudo quanto pertence à dita reedificação e se proíbe a todos os ministros a jurisdição em semelhante matéria. A ameaça à gestão centralizada da concretização do plano de reedificação da cidade era o que mais preocupa José Monteiro de Carvalho e não tanto as implicações urbanísticas do anexo da casa de Casimiro Alves. Casimiro Alves só recebeu parte da verba da parede meeira em Julho de 1778, quando conseguiu que o outro vizinho do Padre Alexandre José, Domingos Afonso, lhe desse 67.500 réis que estavam destinados ao sacerdote. A guerra entre os vizinhos da Praça da Alegria 27 Ibidem, fls. 17v e 18. 10 de Novembro de 2005 15 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões apenas terminou em 10 de Maio de 1781 com o Padre Alexandre José a saldar o resto da sua dívida, embora tenha pago a Manuel António Alves, irmão de Casimiro Alves, entretanto falecido. Com o fim do Governo de Pombal (1777) as obras abrandaram na reconstrução da cidade de Lisboa. O Marquês de Angeja, assustado com a situação do tesouro público, solicitou à rainha a suspensão dos trabalhos nas obras públicas28. Os proprietários privados seguiram o exemplo. De facto, a construção de prédios de rendimento não era um bom negócio porque não havia inquilinos. Com a liberalização da Indústria no reinado de D. Maria I, os investimentos foram redireccionados para a criação de novas fábricas por todo o país. A cidade de Lisboa ficou sem investidores na sua reedificação. O Estado atenuou o seu poder de tutela sobre a reconstrução da cidade de acordo com o rígido plano pombalino, passando a existir uma maior liberdade na projecção de novas construções. Na Praça da Alegria verificou-se esta situação. Se durante o governo de Pombal tinha havido uma apertada supervisão da Inspecção-geral do Plano para a Reedificação da Cidade, a partir de 1777 tudo mudou. Deixaram de existir vistorias e ordens para que os proprietários urbanizassem os seus lotes de acordo com desenhos previamente aprovados. Esta realidade é possível de ser observada noutro processo. A 21 de Dezembro de 1778, o proprietário João Teixeira de Aguiar aforou um lote de terreno na Praça da Alegria a António Lopes Galvão com a obrigação deste ser urbanizado de acordo com o plano num prazo de quinze dias29. Ainda se verifica a apertada tutela das instituições pombalinas. Quem não tinha meios financeiros para urbanizar devia ceder o terreno a quem assegurasse a construção dos novos edifícios. Porém, logo a 1 de Janeiro de 1779, o senhorio tentou suspender o contrato. Como não o conseguiu pela via judicial, João Teixeira de Aguiar solicitou à Inspecção-geral do Plano de Reedificação da Cidade, em Março de 1781, que intimasse o enfiteuta para este construir o imóvel. Esperava o senhorio que fosse aplicada a legislação pombalina que decretava que caso não fosse iniciada a construção no prazo estabelecido, o lote seria considerado devoluto e regressaria ao senhorio. Veja-se que entre 1779 e 1781 não foi tomada qualquer iniciativa por parte do Estado para assegurar que a construção do edifício era efectuada. Esta só aconteceu porque o senhorio solicitou à Inspecção-geral que cumprisse a sua obrigação. Depois de intimado, António Lopes Galvão, iniciou a construção no lote da Praça da Alegria tendo, em Abril de 1781, aberto os caboucos e iniciado a fachada. O senhorio (que no fundo 28 29 Cf. SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Op. Cit., p. 349. Cf. IAN/TT, Inspecção dos Bairros, Andaluz, Maço 5, n.º 6. 16 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria queria o regresso do poder sobre a propriedade) tentou ainda embargar a obra, o que não foi consentido pela Inspecção-geral. Depois deste episódio, não há mais qualquer processo sobre a Praça da Alegria na Inspecção-geral do Plano para a Reedificação da Cidade. A instituição continuava a existir mas não cumpria com o seu papel. Em breve, abandonou-se a tipologia de casa pombalina na Praça da Alegria. A habitação de loja, piso de habitação e água furtada, com projecto feito pelos engenheiros do Estado, foi abandonada por se considerar pequena e de pouco potencial de rendimento. De facto, a teorização da casa pombalina obrigava a que fosse de pequenas dimensões para evitar o colapso em caso de terramoto e que não tivesse qualquer decoração ou distinção na fachada para que, também na arquitectura, se manifestasse o nivelamento social e político que Pombal pretendia para a sociedade portuguesa. Com a queda deste ministro caíram também os seus ditames arquitectónicos. Cada proprietário passou a poder construir como e quando queria, sem imposições do Estado na altura, decoração, cor, estilo ou função de cada imóvel. Assim se justifica que em 1796 se construa na Praça da Alegria o célebre Palácio Azul que, como veremos adiante, será um manifesto contra o ordenamento, austeridade e padronização dos alçados pombalinos. Anos depois, seguindo-lhe o exemplo, viria a ser construída a Casa das Varandas. 5. A Praça da Alegria nos inícios do século XIX Com o abandono do “Plano para a Reedificação da Cidade”, os lisboetas optaram por construir ilegalmente, ou mesmo com consentimento dos proprietários dos terrenos, inúmeras barracas, tentando assim escapar aos custos que adviriam de uma construção em pedra ou de um aluguer de um apartamento. A Praça da Alegria foi particularmente atingida por este desgoverno urbanístico, sobertudo no seu alçado oriental, na junção com o Passeio Público. Só em 1818, foi feito, pela primeira vez desde Pombal, um esforço sério por retomar a urbanização da cidade de acordo com o plano. Nesta data fizeram-se diversas vistorias a barracas de madeira construídas na Praça da Alegria tendo os seus donos sido intimados a demoli-las30. Todas as barracas são referidas como citas no lado Poente e Sul da Praça da Alegria, confrontando algumas com o muro do Jardim Público. Contudo, esta intenção não foi suficiente como comprova a queixa apresentada em 1827 por Agostinho Pires à Inspecção-geral do Plano para a Reedificação da Cidade pelo facto de ter sido assaltado na Praça da Alegria por dois ladrões que se escondiam nas barracas. A vítima ficou 30 Cf. Ibidem, Maço 7, n.º 11. 10 de Novembro de 2005 17 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões sem dinheiro e sem a roupa, afirmando que a culpa era de não ser aplicada a legislação pombalina que proibia a construção de barracas de madeira. Os proprietários das barracas foram novamente intimados a 15 de Março de 1828 para as demolirem. Esta preocupação pelo fim das barracas na Praça da Alegria prendia-se mais com o zelo da ordem pública do que, propriamente, com a vontade de cumprir o plano urbanístico pombalino. De facto, a Praça da Alegria havia-se tornado um espaço público movimentado. Nas suas imediações foram construídos a Praça de Touros do Salitre (1780) e o Teatro do Varela (1782), além do já referido Passeio Público. Em 1806, o Padre José de Roca fundou na Praça da Alegria um colégio francês. Pelo Edital Municipal de 27 de Novembro de 1809, esta Praça foi escolhida para receber a Feira da Ladra, que até aí se realizava no Rossio31. A Feira espalhava-se pela Praça da Alegria e lado ocidental do Passeio Público até ao Palácio do Marquês de Castelo Melhor. A Praça da Alegria tornou-se uma zona apetecível, com diversos equipamentos que cativavam a burguesia, valorizando os imóveis. Em Dezembro de 1816, refere-se que a Praça era utilizada como local de venda de pasto e feno para alimentação de animais, cabendo à Câmara Municipal uma taxa de cinco réis por carga e vinte réis por carro32. A 19 de Fevereiro de 1823, foi feita uma tentativa de retirar da Praça da Alegria a Feira da Ladra transferindo para o Campo de Santa Ana a feira de objectos de uso e para o Campo Pequeno a feira de cavalgaduras33. Porem, a resistência dos feirantes determinou que a 10 de Julho desse ano a Câmara Municipal mantivesse a Feira na Praça da Alegria desde que o seu limite não excedesse a esquina da Calçada da Glória, na Rua do Passeio Público. A transferência definitiva da Feira da Ladra para a sua localização actual, no Campo de Santana, só foi feita a 27 de Abril de 1835 com a contrapartida da feira ser diária34. A Feira da Ladra na Praça da Alegria é o tema de uma pintura atribuída a Nicolas Louis Albert Delerive que está actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga (N.º Inv.º 1700 Pint.). O pintor teve por objectivo retratar os costumes dos lisboetas do início do século XIX. Este tema era muito apreciado pelas elites do Norte da Europa que olhavam para os portugueses e espanhois com interesse. Cf. AHCML, Colecção de Editais do Senado dos Anos de 1756 a 1819, p. 275 cit. OLIVEIRA, Eduardo Freire, Elementos para a História do Município de Lisboa, 1ª Parte, Tomo 1, p. 236. 32 Cf. AHCML, Livro III de Contratos, fl. 44 publicado por Idem, Op. Cit., p. 210. 33 Cf. AHCML, Colecção de Editais do Senado, anos de 1820 a 1823, cit. Idem, Op. Cit., p. 236. 34 Cf. AHCML, Colecção de Providências Municipais da Câmara de Lisboa, tomo 1, p. 45, cit. Ibidem. 31 18 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Encontramos nesta pintura muitos dos retratos sociais da Lisboa do início de Oitocentos: os mendigos, os ladrões, os vendedores de quinquilharias, os soldados, as senhoras beatas e as donzelas vítimas de galanteios disfarçados pela confusão da feira. Fig 6 Feira da Ladra na Praça da Alegria (1809-1818) da autoria de Nicolas Delerive. MNAA. Verifica-se as três tipologias de edifícios presentes na Praça da Alegria à data da construção da Cada das Varandas: o prédio pombalino (entretanto alteado) à esquerda, as barracas de madeira ao centro e o palácio mariano à direita. Nicolas Delerive foi um dos muitos pintores estrangeiros que tentaram a sua sorte no mercado português. Nascido em 1755 em Lille, veio para Lisboa em 1792 fugido do Terror da Revolução Francesa. Aqui permaneceu, tendo morrido em 1818. Fez alguns trabalhos por encomenda régia mas também bastantes quadros de costumes, de tipo holandês, que se destacam, segundo José-Augusto França, pela anedota popular35. O quadro que retrata a Feira da Ladra na Praça da Alegria será então datável de entre 1809 (introdução da feira naquela localização) a 1818 (morte do pintor). Esta pintura pertenceu ao Visconde de Chanceleiros, passando depois para a propriedade do Conde dos Olivais e Penha Longa36. Foi adquirido pelo Museu Nacional de Arte Antiga em 1931 a E. H. Moser. Esta pintura dá-nos, no entanto, um precioso testemunho da fisionomia da Praça da Alegria do início do século XIX. Nela podemos ver as várias tipologias de edifícios que ali coabitavam. Cf. FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX, 3ª Ed, 1990, 1º Vol., p. 79 e 2º Vol, p. 388, nota 158. PAMPLONA, Fernando de, Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses, Vol. IV, s.d., p. 194. 36 Cf. SEQUEIRA, Gustavo Matos, Depois do Terramoto. Subsídios para a História dos Bairros Ocidentais de Lisboa, 1968, pp. 493 a 499. 35 10 de Novembro de 2005 19 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Em primeiro lugar, temos um prédio pombalino, à esquerda no quadro, feito de acordo com os desenhos fornecidos pela Inspecção-geral do Plano para a Reedificação da Cidade e tal como é referido pela documentação que revelámos. Os prédios pombalinos na Praça da Alegria foram projectados com lojas no rés-do-chão, habitação no primeiro piso e nas águas furtadas. Cada prédio devia ter entre seis e sete janelas no piso superior. No prédio representado no quadro foi acrescentado um terceiro piso, permitido pela queda de Pombal (1777) e consequência perda de importância da Inspecção-geral do Plano para a Reedificação da Cidade. Esta substituição das mansardas originais por um novo piso aconteceu também na Baixa na década de 1780 e início de 179037. É provável que a alteração neste prédio da Praça da Alegria fosse coincidente com esse período. A segunda tipologia que se encontra retratada no quadro de Nicolas Delerive são as barracas construídas ilegalmente pelos lisboetas que não tinham posses para arrendar um andar. Estão fronteiras ao prédio pombalino e apresentam apenas um piso térreo, sendo construídas com madeiras de forma desorganizada e desconexa. Finalmente, a terceira tipologia é aquela na qual se insere o Palácio Azul. Trata-se de um edifício projectado com um alçado mais monumental que o anónimo prédio pombalino, prevendo de origem um terceiro piso, com molduras de pedra decoradas e animação na fachada com paramentos recuados. É um edifício que se assume como um palácio numa zona destinada à pequena burguesia, algo que ia contra os ditames de Pombal que impunha o nivelamento arquitectónico e funcional dos novos bairros lisboetas. As igrejas, palácios e conventos se quisessem permanecer nos bairros pombalinos teriam de passar despercebidos pelo exterior. A própria cor da fachada, que lhe concedeu o nome pelo qual ficou conhecido (porque era caso único em Lisboa), também pretendia ser um manifesto contra o ocre obrigatório das casas pombalinas. O Palácio Azul ainda hoje existe, estando nele instalada a Esquadra de Polícia da Praça da Alegria. Este imóvel foi construído em 1796 por D. Álvaro de Távora, conde de São Miguel, que casou com D. Luísa de Pilar e Noronha, filha dos condes dos Arcos. Em 1832 foi quartel do Estado Maior General e no ano seguinte sede dos Conselhos da Guerra. Em 1840, o palácio pertencia ao Barão de Almeirim, pai de Anselmo Braamcamp Freire que aí nasceu em 184538. Cf. MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho, “Um projecto de Vincenzo Mazzoneschi para o primeiro barão de Quintela em inícios do século XIX” in Monumentos, n.º 21, p. 99. 38 Cf. ARAÚJO, Norberto, Peregrinações em Lisboa, Vol. 14, pp. 20 a 30. SEQUEIRA, Gustavo Matos, Op. Cit., Vol. 2, pp. 498 a 502. 37 20 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Apesar do porte de palácio nobre de família aristocrática, esteve sempre arrendado a diversos inquilinos. O Palácio Azul assume o movimento de reacção contra a padronização arquitectónica de Pombal. Não respeitou o limite de dois pisos, nem o desenho sóbrio imposto, nem a ausência de decoração, nem a cor ocre, nem a vocação pequena-burguesa da Praça da Alegria. Este movimento de reacção protagonizado pelo Palácio Azul contra a austeridade arquitectónica pombalina será seguida por muitos outros edifícios, entre os quais se insere a Casa das Varandas. 6. História da construção do imóvel A Casa das Varandas foi construída por Francisco Joaquim de Campos para substituir um prédio pombalino que este tinha arrendado a diversos inquilinos. Na descrição feita em 1804 para apurar o valor tributável para o imposto da Décima da Cidade refere-se que o primitivo prédio pombalino era composto por duas lojas, um piso de sobre-lojas, um andar e duas águas furtadas39. Seria portanto um edifício de tipologia pombalina, entretanto alteado, semelhante àquele que Nicolas Delerive representou noutro ponto da Praça. O prédio estava todo arrendado. Numa das lojas laborava Romão Álvares, marceneiro. No primeiro andar, ou sobre-lojas, vivia outro inquilino de nome José Joaquim. O segundo andar e outra das lojas estavam arrendados ao Tenente Joaquim José Oliva. As águas furtadas estavam divididas em dois apartamentos reduzidos onde viviam uma viúva e um desempregado, ou seja, pessoas de parcos recursos. Em 1805, as rendas deste prédio ascenderam a 276.600 réis40. No ano seguinte, o prédio só rendeu 159.000 réis41. Francisco Joaquim de Campos necessitava de dinamizar o seu rendimento. Precisava de investir, melhorando os apartamentos e aumentando, simultaneamente, o seu número. O pequeno prédio pombalino não se prestava a este fim e assim optou por demoli-lo e construir um novo prédio, muito alto e decorado, semelhante a um palácio, para cativar a elite burguesa de Lisboa. As semelhanças entre a Casa das Varandas e o Palácio Azul serão assinaláveis. O público-alvo eram os burgueses endinheirados que precisavam de ocupar um apartamento por um semestre ou um ano, enquanto os seus palácios particulares se construíam ou remodelavam. Também os estrangeiros integrados em comitivas diplomáticas seriam clientes apetecíveis. Cf. AHTC, Livros da Décima da Cidade, Freguesia de São José, Maço 561, Livro de Arruamentos de 1805, fl.118. Cf. Ibidem, Maço 561, Livro de Arruamentos de 1805, fl.118. 41 Cf. Ibidem, Maço 562, Livro de Arruamentos de 1806, fl.161. 39 40 10 de Novembro de 2005 21 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Em Agosto de 1807, os medidores da Décima da Cidade referem que o prédio de Francisco Joaquim de Campos estava em obras não havendo ninguém a ocupá-lo42. Em Dezembro de 1808, os mesmos medidores descrevem o imóvel tal como hoje o conhecemos (com excepção dos acrescentos laterais à água furtada), referindo que o segundo andar se encontrava ainda incompleto e que todo o prédio permanecia inabitado43, dadas já referidos por Raquel Henriques da Silva44. Em Dezembro de 1809, a vistoria da Décima da Cidade refere que o imóvel estava totalmente concluído e ocupado desde o segundo semestre com excepção das lojas. Francisco Joaquim de Campos escolheu ocupar as sobrelojas e o primeiro andar, considerado o piso mais nobre, onde estabeleceu a sua residência permanente45. O segundo andar foi arrendado a D. Teresa de Sá Brandão por 240.000 réis por ano, sendo depois arrendado em 1817 por 312.000 réis a Cristóvão Buchar. Neste ano (1817), as rendas conseguidas pelo proprietário chegaram aos 760.000 réis. A substituição do prédio pombalino pela Casa das Varandas foi uma operação financeira de sucesso que recompensou a iniciativa do proprietário. A consulta sistemática de todos os livros de escrituras notariais de Lisboa entre Janeiro de 1806 e Agosto de 1807 permitiu-nos verificar a inexistência do contrato de construção deste imóvel46. Este facto leva-nos a propor várias hipóteses para justificar a falta: a) O dono do prédio e o empreiteiro tinham uma relação de confiança e amizade vinda de outras obras que levou a que não fosse celebrado o contrato de construção. De facto, não era obrigatória a celebração deste documento, sendo apenas feito como garantia do cumprimento do acordado verbalmente por ambas as partes. b) O contrato foi celebrado fora de Lisboa, facto possível se atendermos ao facto de Francisco Joaquim de Campos ter interesses em Alverca47. Cf. Ibidem, Maço 562, Livro de Arruamentos de 1807, fl.127v. Cf. Ibidem, Maço 562, Livro de Arruamentos de 1808, fl.158v. 44 Cf. SILVA, Raquel Henriques da, Lisboa Romântica, Urbanismo e Arquitectura, 1777-1874, 1997, pp. 126 e 127. 45 Cf. AHTC, Livros da Décima da Cidade, Freguesia de São José, Maço 563, Livro de Arruamentos de 1809, fl.130v. 46 Cf. IAN/TT, Cartórios Notariais de Lisboa, Cartório 1 (actual 2) livros 684 a 689; Cartório 2 (actual 10) livros 219 a 223; Cartório 3 (actual 14) livros 165 a 171; Cartório 4 (actual 9) livros 100 a 102; Cartório 5B (actual 12) livros 141 a 146; Cartório 6 (actual 8) livros 211 a 214; Cartório 7A (actual 15) livros 574 a 580; Cartório 8A (actual 11) livros 155 a 160; Cartório 8B (actual 11) livros 97 a 100; Cartório 9A (actual 7) livros 697 a 698; Cartório 9B (actual 7) livros 166 a 169; Cartório 10 (actual 6) livros 183 a 187; Cartório 11 (actual 3) livros 830 a 843; Cartório 12A (actual 1) livros 584 a 587; Cartório 12B (actual 1) livros 838 a 845; Cartório 12C (actual 1) livros 80 a 84. 47 Não foi possível consultar os Cartórios Notariais de Vila Franca de Xira e Alverca, na Torre do Tombo, pelo facto de os mesmos não se encontrarem, de momento, em condições de virem à consulta. Fica aqui a cota do livro que deve ser consultado: IAN/TT, Cartórios Notariais de Vila Franca de Xira, Caixa 248, livro 5 de notas. 42 43 22 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria c) O contrato foi celebrado muito antes de Janeiro de 1805, tendo a sua concretização sido sucessivamente adiada por razões indeterminadas. Ainda assim, graças a diversos contratos de obra que encontrámos para esta época (Janeiro de 1806 a Agosto de 1807) é possível referenciarmos alguns dados que servem para documentar de forma indirecta a construção da Casa das Varandas da Praça da Alegria. Para este período, foram localizados cerca de 40 contratos de obra, todos incidindo sobre casas particulares de maior ou menor grandeza. Não existe qualquer obra relacionada com o Estado ou com a Igreja (conventos, igrejas paroquiais e irmandades), o que demonstra que este sector da sociedade, enquanto promotor de construções, estava estagnado. As obras documentadas nos cartórios notariais são, na sua maioria, campanhas de demolição de uma pré-existência (barraca, edifício arruinado ou edifício pequeno) e edificação de um prédio de rendimento que não servia de habitação ao proprietário. Se considerarmos que este número apenas representa uma parcela das obras efectivamente realizadas, vemos que estamos perante um grande surto construtivo, de iniciativa totalmente privada, separada do Estado, que incidiu sobre Lisboa nos primeiros anos do século XIX e que só seria travado pelas invasões napoleónicas e pela instabilidade política que se lhes seguiu. Assim, a Casa das Varandas da Praça da Alegria não é um fenómeno isolado, mas antes uma peça num movimento de substituição do tecido edificado por razões meramente especulativas. A demolição de uma barraca, de uma casa sobrevivente ao Terramoto ou mesmo de uma habitação pombalina, substituindo-a por um prédio de rendimento com vários andares, tornou-se num negócio rentável e apetecível pela elite burguesa da época. Em todos os contratos encontrados, o acordo celebra-se entre o dono da obra e um indivíduo que é apelidado de “mestre carpinteiro de casas” e que equivalia ao actual empreiteiro. O dono da obra apresentava sempre um “prospecto” que incluía alçados e plantas que devia ser seguido pelo empreiteiro. No momento da celebração da escritura notarial, este projecto (cuja autoria raramente é referida) era rubricado pelo dono da obra, pelo tabelião e pelo empreiteiro, sendo entregue a este último para concretização. O “mestre carpinteiro de casas” assumia toda a tarefa de concretização do projecto. Procedia a demolições, construções em alvenaria, aplicação de vigamentos em madeira, introdução de revestimentos em tabique, estuque, pinturas e toda a espécie de acabamentos tais como janelas, vidros, grades em ferro, molduras em pedra trabalhada, etc. Este facto leva-nos a concluir que este profissional tinha vários outros colaboradores que trabalhavam para ele com vínculos distintos (permanente ou liberal). 10 de Novembro de 2005 23 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Em algumas obras cabia também ao empreiteiro a concretização das pinturas decorativas no interior das habitações que seriam ao gosto do dono da obra, não havendo a definição do que seria feito. Nestas ocasiões entrava o pintor decorativo que, apesar de estar associado ao empreiteiro, pintava ao gosto do dono da obra chegando a acordo com este sobre os motivos que desejava ver pintados. O pintor decorativo era sempre o profissional mais independente do empreiteiro. Encontrámos um contrato de associação entre estes dois profissionais. Trata-se da escritura efectuada a 10 de Janeiro de 1806 entre o mestre carpinteiro de casas Luís Francisco Ramalho e o pintor José Joaquim Gomes, cabendo a este último a tarefa de efectuar as pinturas necessárias no prédio de cinco andares propriedade do Sargento-mor António Fragoso sito na Travessa do Arco do Bandeira (actual Rua dos Sapateiros)48. Note-se que o acordo vigorava apenas para esta obra, não sendo o pintor um subalterno do empreiteiro, mas antes um colaborador necessário para as empreitadas mais complexas. Fig. 7 Pintura mural descoberta pelo IPPAR na Rua dos Sapateiros, Janeiro de 2001 (entretanto destruída em obras de remodelação). Foto IPPAR. Estas informações, dadas pelos outros contratos de obra feitos na época em que a Casa das Varandas foi construída, leva-nos a delinear uma sucessão de acontecimentos que, com toda a probabilidade, ocorreram nesta obra, à semelhança do que aconteceu nas outras. Em primeiro lugar, o dono da obra, Francisco Joaquim de Campos adquiriu o “prospecto”, ou seja, a planta e os alçados do imóvel junto de um arquitecto. Terá sido este profissional a criar a Casa das Varandas, que nasceu da junção dos interesses económicos do primeiro com o génio criativo do segundo. 48 Cf. IAN/TT, Cartórios Notariais de Lisboa, actual cartório 1, antigo cartório 12B, caixa 102, livro 838, fls. 53 a 53v. 24 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Após a definição do projecto, Francisco Joaquim de Campos contratou-se verbalmente com o mestre-de-obras ou empreiteiro para o concretizar. É possível que tenham existido alterações pontuais, porque muitas vezes os projectos de arquitectura não levavam em consideração várias condicionantes práticas (de tipo estrutural, topográfico e material). No decorrer da obra, o empreiteiro contratou-se com o pintor que efectuou as pinturas decorativas do interior. Estas foram feitas ao gosto de Francisco Joaquim de Campos. A falta de documentação impossibilita a atribuição segura de autorias para estes três momentos distintos: projecto, concretização arquitectónica e pintura decorativa dos interiores. Em relação à primeira e à última fase é possível, através da análise estética, chegar a dois nomes que adiante iremos abordar. Contudo, quanto à componente da concretização torna-se impossível de aplicar a mesma metodologia. Encontramos, todavia, um empreiteiro activo na Praça da Alegria nestes anos em condições de assumir e concretizar a Casa das Varandas. A 14 de Julho de 1807, Manuel de Almeida Colares, negociante, morador na Rua do Alecrim, celebrou um contrato com o “mestre carpinteiro de casas” Valentim José Lopes, residente na Rua de São João da Mata, à Lapa. A obra que foi contratada é muito semelhante à realizada na Casa das Varandas. O primeiro era proprietário de uma casa pombalina na Praça da Alegria, com loja e um único andar. Ficou acordada a demolição deste imóvel (que tinha apenas trinta anos) e construção de um novo edifício com lojas, três andares e águas furtadas, tudo para arrendamento, sendo que em cada andar ficariam dois inquilinos49. A datação desta empreitada leva-nos a afirmar que Manuel de Almeida Colares seguiu o exemplo de Francisco Joaquim de Campos ao ter demolido uma casa pombalina recente e construído em seu lugar um prédio de rendimento, sem respeito pelo plano pombalino para aquela zona da cidade, seguindo unicamente as regras da especulação imobiliária. É também possível que tenha feito contrato com o mesmo empreiteiro da Casa das Varandas, uma vez que a concretização da obra é a fase mais delicada e crucial de toda esta operação financeira, sendo necessárias todas as garantias de que será bem concretizada. 7. Francisco Joaquim de Campos: o homem A primeira informação documental que temos a respeito de Francisco Joaquim de Campos data de 1802 e dá-nos já o retrato de uma pessoa bem instalada nos meios do poder, com sucesso económico e social. A 18 de Outubro deste ano, o Príncipe-regente D. João concedeu49 Cf. Ibidem, actual cartório 9, antigo cartório 4, caixa 21, livro 102, fls. 43 a 44v. 10 de Novembro de 2005 25 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões lhe o “Hábito da Ordem de Cristo”50. Esta decisão terá partido do próprio Estado, possivelmente de uma ordem directa do Príncipe ou do Secretário de Estado, Visconde de Balsemão, uma vez que a Mesa da Consciência e Ordens se limitou a acatar a decisão superior, algo que viria a ocorrer a 26 de Janeiro de 1803. De facto, o processo que conduziu a esta concessão honorífica é bastante lacónico. Não foi feito qualquer inquérito sobre os antepassados do agraciado, nem da sua pureza de sangue ou da nobreza adquirida, como era regra. O título foi-lhe, simplesmente, concedido. Esta facilidade leva-nos a ver um Francisco Joaquim de Campos plenamente integrado na política dos primeiros anos do século XIX. Na verdade, desde que D. João assumira a regência do Reino por incapacidade de sua mãe, que se tinha registado um regresso, embora tímido, à política pombalina. Este facto cativou as classes mais progressistas e iluminadas da sociedade portuguesa, onde Francisco Joaquim de Campos parece incluir-se. Entre Agosto de 1807 e Dezembro de 1808, este indivíduo construiu a Casa das Varandas na Praça da Alegria. A construção do imóvel durante os meses da ocupação de Junot, em Lisboa, leva-nos a considerar uma eventual ligação de Francisco Joaquim de Campos ao invasor francês. Caso os seus negócios e bens estivessem ameaçados pelo governo de ocupação, nunca Francisco Joaquim de Campos empreenderia a construção de um grande edifício. A ocupação francesa poderá inclusivamente ter sido vista por este homem como a libertação de um povo que estava há vários séculos oprimido por uma monarquia absolutista e retrógrada que impedia o desenvolvimento económico e financeiro do país. É possível que esta opinião lhe tenha provocado alguns dissabores durante a ingerência inglesa. Portugal regressou ao Absolutismo e assim permaneceu até 1820, quando se deu a Revolução Liberal. A 24 de Agosto de 1820, Francisco Joaquim de Campos arrematou um conjunto de bens que o Estado vendeu em hasta pública. Tratava-se de diversas propriedades vinculadas à Capela de Maria Vicente, todas em Alverca, que entretanto tinham sido incorporadas nas Capelas da Coroa51. As Capelas eram um conjunto de bens vinculados entre si e que tinham a obrigação de canalizar parte do seu rendimento para a celebração de missas por alma de um seu antigo proprietário. A sua administração podia ser entregue a uma irmandade, a uma misericórdia ou ao próprio Estado. A gestão destes bens era, no entanto, difícil e contestada por certos sectores Cf. IAN/TT, Habilitações da Ordem de Cristo, Letra F, Maço 25, n.º 100, Processo de Francisco Joaquim de Campos, 26 de Janeiro de 1803. 51 IAN/TT, Chancelaria de D. João VI, Livro 19, fls. 113v a 114v. 50 26 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria mais progressistas da sociedade que consideravam estes vínculos despropositados e defendiam a sua extinção. Pombal havia iniciado esta tarefa mas foi travado pelos defensores do Antigo Regime. Assim, nas vésperas da Revolução Liberal, o Estado optou por vender estes bens de capelas em hasta pública. Francisco Joaquim de Campos arrematou as propriedades da Capela de Maria Vicente por 416.000 réis, quantia que foi prontamente depositada no Erário Régio. Com a queda do regime liberal e a aproximação cada vez maior ao Absolutismo, Francisco Joaquim de Campos entrou em colapso financeiro. A sua ligação aos sectores mais liberais e progressistas da sociedade não passaram despercebidos aos novos governantes. Em Setembro de 1827, a ressuscitada Inspecção-geral do Plano de Reedificação da Cidade intimou-o a concluir um prédio que possuía na Rua dos Sapateiros52. Este prédio situava-se do lado Poente da Rua, logo após o arco do Bandeira, devendo corresponder ao actual Animatógrafo. Segundo verificaram os inspectores, o edifício só estava construído até ao primeiro vigamento, tendo apenas a funcionar as lojas e um forno para cozer pão. Estavam por construir os andares destinados a arrendamento. A primeira vistoria não surtiu efeito, porém, uma segunda vistoria feita em 8 de Julho de 1829, já sob o governo absolutista de D. Miguel foi muito mais agressiva para com Francisco Joaquim de Campos. A 6 de Novembro, porque o prédio não estava ainda concluído decidiu-se colocar o edifício à venda em Praça Pública. Para tal, foi recuperada a velha legislação pombalina, com mais de cinquenta anos. O lote na Baixa com os arranques do prédio foi avaliado em 1.883.520 réis. A 15 de Junho de 1830 foram colocados editais para a sua aquisição mas não apareceram quaisquer interessados. Em Dezembro deste ano fez-se nova tentativa, mas o processo foi suspenso porque a 24 de Janeiro de 1831, Francisco Joaquim de Campos alegou que nunca tivera conhecimento das vistorias nem de que o processo estava em curso. Pediu que o mesmo fosse suspenso pois as lojas rendiam-lhe por ano 480.000 réis. O Estado suspendeu assim a venda mas obrigou o proprietário a assumir a tarefa de acabar a construção do prédio no prazo de dois anos. As contendas, apesar de tudo não pararam. Em Janeiro de 1832, o Estado mandou penhorar os seus bens porque Francisco Joaquim de Campos estava a dever 900.000 réis referentes ao segundo quartel do ano de 1831, da renda do Morgado de Santa Iria53. Esta propriedade pertencia ao 4º Conde de Alva, D. Vicente de Sousa Coutinho Monteiro Paim (1805-1868), um opositor político de D. Miguel que acabaria por se exilar54. Os seus bens e 52 53 IAN/TT, Inspecção dos Bairros, Rossio, Maço 15, n.º 41. IAN/TT, Processos Políticos do Reinado de D. Miguel, Maço 23, n.º 13. 10 de Novembro de 2005 27 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões receitas foram apreendidos pelo Estado. Francisco Joaquim de Campos era rendeiro desta exploração agrícola, pelo que ficou obrigado a pagar a renda ao Estado. Contudo, ou por dificuldades financeiras, ou por se recusar a contribuir para o governo de D. Miguel, ou ainda porque o Estado não lhe havia permitido uma exploração conveniente, Francisco Joaquim de Campos recusou-se a pagar os 900.000 réis da renda. Todo este processo não se encontra arquivado nos normais processos crimes ou cíveis, mas sim nos “Processos Políticos de D. Miguel”, o que demonstra bem a natureza política do conflito. A ordem para se apreenderem os seus bens partiu do próprio Paço a 23 de Janeiro de 1832. A 6 de Fevereiro, o Corregedor do Crime do Bairro de São José mandou que se cumprisse a ordem régia. No dia 14, os funcionários do Estado foram à Rua da Carreira dos Cavalos, na Freguesia de Nossa Senhora da Pena, onde morava Francisco Joaquim de Campos. A Casa das Varandas da Praça da Alegria fora vendida no segundo semestre de 1831 pelo que não se incluía nos bens penhorados. Desde então Francisco Joaquim de Campos não tinha casa própria e morava com o irmão, Carlos José de Campos. Quando se preparavam para lhe apreender os bens, Francisco Joaquim de Campos mostrou um requerimento deferido pelo Desembargador da Casa da Suplicação, Manuel de Sampaio Freire de Andrade, que impedia o arresto dos seus bens. O magistrado baseava a sua decisão no facto de Francisco Joaquim de Campos já ter sido alvo de um sequestro de várias propriedades agrícolas em Alverca que só por si valiam 20.000.000 réis, quantia muito superior à exigida pelo Estado. Face a esta sentença judicial, o arresto dos bens não se concretizou até ao dia 18 de Fevereiro, quando uma nova ordem régia, desrespeitando a decisão do tribunal, mandou apreender todos os bens que Francisco Joaquim de Campos tinha em casa do irmão, bem como o prédio na Rua dos Sapateiros que só por si valia mais do que a verba em dívida. Pelo que fica exposto, apercebemo-nos do quanto a riqueza e prosperidade de Francisco Joaquim de Campos dependia da situação política nacional. A sua principal fonte de receita não era a Industria nem o Comércio, mas as explorações agrícolas em Alverca e na Póvoa de Santa Iria que lhe financiaram outra importante actividade: a especulação imobiliária. Enquanto liberal beneficiou das benesses do Estado, enquanto a sua facção política ocupou o poder. Veja-se como conseguiu adquirir ao Estado os bens da Capela de Maria Vicente por 416.000 réis, bens que foram, pouco depois, avaliados em 20.000.000 réis. Veja-se a relação privilegiada que tinha 54 Cf. “Alva, conde de” in AA.VV., Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. II, p. 186. 28 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria com o Conde de Alva. E, por fim, veja-se também o facto de ter construído um prédio de luxo em plena ocupação napoleónica. Contudo, quando D. Miguel assumiu o poder, Francisco Joaquim de Campos foi alvo de intensas perseguições que levaram à sua total ruína financeira. A Casa das Varandas foi vendida a tempo, escapando à penhora. As herdades de Alverca foram apreendidas e os seus rendimentos sequestrados. Francisco Joaquim de Campos, activo, optimista e empreendedor nos primeiros anos do século, morreu pobre, perseguido e destroçado. A Casa das Varandas da Praça da Alegria é, assim, o mais eloquente testemunho dos seus anos de prosperidade. 8. Análise estética e artística da Casa das Varandas 8.1 A arquitectura A Casa das Varandas insere-se num período estilístico e arquitectónico que foi durante décadas esquecido pelos historiadores. Deve-se a José-Augusto França e a Raquel Henriques da Silva a introdução dos testemunhos deste período na História da Arte Portuguesa. Esta autora dedicou algumas linhas à Casa das Varandas e à sua inserção no ambiente arquitectónico da época55. Segundo Raquel Henriques da Silva, após a queda de Pombal (1777), surgem em Lisboa diversos edifícios de iniciativa privada que procuravam contestar a sobriedade, o rigor e a padronização dos projectos impostos pela Inspecção-geral do Plano para a Reedificação da Cidade. Este movimento “anti-pombalino” iniciou-se com os palácios da elite que nasceram com Pombal e, em breve, se alastrou à restante burguesia. Esta pequena burguesia que despontou com a liberalização da Indústria irá reconstruir diversos edifícios (palácios privados e prédios de rendimento) num estilo que a autora chamou “mariano”. Por vezes, ocorre a mistura das duas tipologias, em que o prédio de rendimento assume o disfarce de palácio. Os palácios eram quase sempre compostos por piso térreo com divisões utilitárias e com a portaria, seguindo-se o andar nobre com varandas de sacada e, por último, o segundo piso com janelas de peitoril. A divisão tripartida também se verifica na vertical, com a introdução de pilastras ou de animação arquitectónica dividindo o palácio em corpo central, mais nobre, e corpos laterais. Um exemplo desta tipologia é a casa-nobre de João Ferreira, cognominado de “O Sola”, construído em 1787 (e destruído em 1889), que terá inspirado diversos outros palácios 55 Cf. SILVA, Raquel Henriques da, Op. Cit., Vol. 1, pp. 117 a 135. 10 de Novembro de 2005 29 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões para a burguesia e nobreza lisboeta. Veja-se o caso do já citado Palácio Azul da Praça da Alegria que possui precisamente a mesma composição que o desaparecido palácio do Sola. Será interessante verificarmos que esta mesma tipologia palaciana será utilizada nos prédios de rendimento o que contesta ainda mais as determinações de Pombal que obrigavam cada edifício a apresentar na fachada um desenho concordante com a sua função. Surgem assim muitos prédios de rendimento com andar nobre, com pórtico principal e com uma composição pseudo-palaciana, a que a autora chamou de “prédios nobres de aluguer”. Fig. 8 Prédio na Rua das Flores n.ºs 5 a 9. Tal como a Casa das Varandas da Praça da Alegria é um exemplo da fuga aos cânones do estilo pombalino. Raquel Henriques da Silva enumerou ainda como as duas “situações mais ostensivas de fuga às tipologias do prédio pombalino” a Casa das Varandas da Praça da Alegria e o edifício sito no actual n.ºs 5 a 9 da Rua das Flores56. Importa reter a história deste último edifício. O seu proprietário era António José Baptista de Salles que em finais do século XVIII andou comprando diversos lotes para construir um grande edifício de arrendamento. O desnível do terreno obrigava que o prédio tivesse um alçado fenomenal. Os vizinhos acabariam por se queixar deste projecto que ficou com apenas dois pisos (para além das lojas e sobrelojas) concluídos em 1805. Este prédio marca já a adaptação 56 Cf. Idem, Op. Cit., Vol. 1, p. 124. 30 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria dos interesses de especulação imobiliária ao cânone palaciano. Os três pisos começam a dar lugar a quatro e a cinco. Tal situação viria a concretizar-se na Casa das Varandas da Praça da Alegria. Como já vimos, este edifício é fruto de uma única campanha que teve por objectivo criar um prédio de rendimento com apartamentos de luxo dirigidos à elite burguesa. Este objectivo está marcadamente vincado na estrutura arquitectónica do edifício, em primeiro lugar pela sua implantação. A Casa das Varandas encontra-se no topo da Praça da Alegria, no enfiamento directo da Praça da Alegria de Baixo, no fim do Passeio Público. O actual jardim e o muro de desnível, construídos em 1881, desvirtuaram este enquadramento do imóvel que lhe pretendia acentuar a monumentalidade de forma cenográfica, e, por isso, torná-lo mais atractivo à burguesia emergente. Fig 9 Prédio na Rua da Trindade que utiliza o mesmo enquadramento que a Casa das Varandas possuía originalmente. Encontramos outro caso semelhante noutro edifício de uma época um pouco posterior, o célebre prédio do “Ferreira das Tabuletas” (mais conhecido pelos azulejos maçónicos), situado na Rua da Trindade. Este edifício, de apenas dois andares e água furtada, aproveitou de igual forma o desnível do terreno e o enfiamento da praça em frente para acentuar uma monumentalidade que, na verdade, não possui. Trata-se de uma ilusão muito frequente (e notese este aspecto) nos cenários de teatro da época. 10 de Novembro de 2005 31 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Fig 10 Fachada actual da Casa das Varandas na Praça da Alegria A fachada da Casa das Varandas também pretende tornar o imóvel atractivo aos burgueses, uma vez que apresenta um desenho claramente influenciado pela fachada do Palácio Azul que estava nas suas imediações. O Palácio Azul demarca-se das casas pombalinas da Praça da Alegria por ter um perfil assumidamente palaciano, algo que ia contra os ditames de Pombal. Este efeito é conseguido, em primeiro lugar, através de uma entrada principal monumental demarcando-se das outras entradas do imóvel através das molduras em cantaria trabalhada. Em segundo lugar, a fachada do Palácio Azul possui claramente um andar nobre (1º andar). com janelas de sacada, molduras trabalhadas, grades em ferro decorativas e caixilhos com desenhos complexos. Este piso nobre difere do 2º andar que só possui janelas de peito com caixilhos de guilhotina. Dentro do “andar nobre” observa-se marcado na fachada um conjunto central de três janelas de sacada, com uma varanda única, demonstrando ser ali o salão nobre do palácio. Assim, o desenho da fachada do Palácio Azul deixa transparecer não só a nobreza do edifício em geral, mas também os diferentes graus de importância de cada uma das partes do imóvel. A fachada destaca-se enquanto conjunto e, simultaneamente, apresenta certos elementos que denunciam a riqueza dos ocupantes daquela parcela. De facto, pretendia-se assim demonstrar através da fachada que o piso térreo era destinado às necessidades utilitárias 32 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria (cavalariças, armazéns, lojas, celeiros), que o 1º andar era a residência do proprietário e que o 2º andar servia para os aposentos da criadagem. Francisco Joaquim de Campos vai aproveitar-se deste código arquitectónico e vai levar o arquitecto a desenhar um prédio com sucessivos pisos nobres. De facto, cada um dos andares da Casa das Varandas repete o modelo do andar nobre do Palácio Azul. São andares nobres sobre andares nobres, tal como na Baixa Pombalina tínhamos “casas em cima de casas”. Em cada andar vemos as janelas de sacada, com molduras decoradas, grades em ferro com desenho decorativo, janelas com caixilhos de desenho complexo, salão nobre central com três janelas unidas por um único balcão. O objectivo desta adulteração dos códigos arquitectónicos era conceber três andares nobres, ou seja, três andares de luxo, destinados a burgueses endinheirados que não predessem estatuto social enquanto tivessem necessidade de residir na Casa das Varandas. Fig 11 Planta do primeiro piso da Casa das Varandas. AICML. De igual forma, o interior deste prédio apresenta a mesma interpretação, com divisões amplas, destinando-se a pessoas que albergavam também os seus criados. Cada piso era arrendado a um único inquilino, não havendo uma divisão entre “direito” e “esquerdo”, como na época era frequente. A preocupação pelo conforto e independência dos inquilinos levou, por exemplo, a que cada piso tivesse uma cozinha com chaminé independente. 10 de Novembro de 2005 33 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Cada apartamento possuía 16,1 metros de largura por 20,8 metros de comprimento, o que correspondia a cerca de 300m2, sendo portanto apartamentos de grandes dimensões. Apenas as paredes da fachada e das traseiras eram em alvenaria. As paredes no interior são finas e não têm qualquer valor estrutural. Isto possibilitava que, de futuro, o proprietário readaptasse as divisões, dividindo os apartamentos, por exemplo. A divisão original contemplava a existência de três salões voltados para a fachada que seriam utilizados como salões nobres com uma função social. No centro do apartamento localizava-se a escada de serviço que permitia duas portas de acesso a cada piso. Em frente a cada porta, localizava-se uma divisão sem janelas que poderia ser utilizada como escritório ou como recepção. Esta seria uma área semi-pública, destinada a receber quem aparecesse pois fechando as portas correctas, a casa continuava impenetrável ao visitante. No terço posterior, encontravam-se as divisões privadas de acesso restrito: as cozinhas, os quartos e as despensas. Os quartos eram servidos por um saguão o que permitia a respiração e o despejo dos esgotos. Esta solução era bastante inovadora para a arquitectura da época, onde os quartos quase nunca têm janelas e onde os despejos eram feitos para a via pública. Há portanto uma preocupação pela higiene e pela salubridade dos apartamentos, o que aumentava o conforto dos mesmos. A fachada da Casa das Varandas é composta por seis pisos: lojas, sobre-lojas, três pisos nobres sucessivos e água furtada. Esta composição ia contra os ditames de Manuel da Maia para a reconstrução da cidade de Lisboa, já que este engenheiro defendia que os prédios de habitação não deveriam ter mais do que loja, andar e água furtada, sendo que cada rua deveria ter o dobro da altura dos seus edifícios, para evitar que o desmoronamento de uma fachada destruísse o edifício fronteiro. As lojas correspondem à actual cave e foram profundamente alteradas. De facto, a pedra liós que se encontra ao nível do chão não provém da mesma pedreira que todo o liós do resto do edifício (característico por ter tons malhados em creme). As lajes que se encontram junto ao chão foram colocadas posteriormente, tendo inclusive truncado o portal principal. Esta campanha deverá corresponder à obra de ajardinamento da Praça da Alegria (1881) que veio alterar as cotas do terreno. As lojas foram assim aterradas e transformadas em caves, tendo as sobrelojas ficado quase ao nível do solo. O actual piso térreo é marcado pelo portal principal que se encontra ladeado por dois grupos de três janelas que delimitam as sobrelojas. A porta do lado direito (n.º 23) resultou da supressão da loja deste lado do edifício. 34 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria As antigas sobre-lojas são as duas salas contíguas à portaria, com o piso ligeiramente mais elevado em relação à rua. O piso térreo apresenta a fachada toda forrada em pedra liós. O Palácio Azul pretendia ter uma decoração idêntica, porém, a escolha de uma solução mais barata levou à adopção de um revestimento a argamassa imitando pedra. Fig 12 Lojas e sobrelojas da Casa das Varandas. A parte inferior foi alterada devido à elevação da cota da rua. O primeiro andar corresponde ao primeiro piso nobre do prédio, o local onde residia Francisco Joaquim de Campos. Possui um balcão que servia de varanda aos três portais do corpo central que marcavam na fachada o salão nobre da residência. Posteriormente, este balcão foi unido às varandas laterais que receberam novos tabuleiros também em pedra liós. As molduras apresentam uma estética de final do Rococó, quase neo-clássica, uma vez que predominam as linhas rectas sobre as linhas ondulantes do Barroco. O único apontamento decorativo são as três penas de avestruz unidas, motivo decorativo comum no final do Rococó. O segundo andar apresenta varandas de sacada com molduras de decoração muito mais “barroca” do que as anteriores, com predomínio das linhas curvas. A varanda central é a que apresenta maior decoração, mas sem grandes exageros. As três janelas centrais que marcam o salão nobre tinham, tal como as do piso inferior, um balcão que era comum a todas. As outras quatro varandas não deviam ter balcão saliente, tendo este sido aplicado já com a reforma decorativa da segunda metade do século XIX. 10 de Novembro de 2005 35 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Fig 13 Varandas do primeiro e segundos pisos Sobre este piso encontramos uma cimalha falsa onde assenta o 3º andar. Este possui molduras muito simples sem grande decoração, estando mais próximas estilisticamente das do 1º andar. Ainda assim, as três molduras centrais são as mais decoradas, sendo a central a mais decorada de todas. Não havia balcão de varanda, sendo a actual balaustrada de ferro feita já na segunda metade do século XIX. Finalmente, o 4º andar assentava sobre a cimalha final do prédio. Era composto apenas por uma água-furtada com três janelas ladeadas por dois pináculos nos extremos do edifício e por tímidas volutas. Entre a água furtada e os pináculos existiam ainda duas colunas em pedra sem qualquer função estrutural e que foram apeadas em 1913. Estas colunas tinham como único objectivo aumentar a componente cénica da fachada. Sobre a mansarda foi colocado um frontão triangular decorado com um medalhão oval com as iniciais FJC (Francisco Joaquim de Campos) esculpidas em baixo-relevo (possivelmente para levarem betume negro ou douramento). Estas letras receberam um aplique posterior, entretanto retirado, possivelmente um brasão do proprietário que sucedeu ao construtor, o Visconde de Picoas. Sobre o frontão encontramos três pináculos que rematam o conjunto. 36 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Fig 14 Pormenor do terceiro e quarto pisos Estas águas furtadas foram convertidas em andar pleno com a inclusão já no século XX de mais dois corpos laterais, com duas janelas cada. Também se colocou, em todo o cumprimento da antiga segunda cimalha, uma balaustrada de ferro. De facto, é esta balaustrada, já da segunda metade do século XIX, que dá uma grande unidade ao conjunto, dando-lhe um aspecto de prédio de boulevard francês, da época de Napoleão III. Nesta campanha também se colocaram uma nova clarabóia em ferro com vidro (que ilumina a escada interior), bem como as varandas das traseiras, também com trabalhos em ferro. Fig 15 Pormenor da água furtada e da clarabóia Entrando-se pela portaria encontramos um átrio onde domina um arco triunfal em pedra liós, em tons malhados brancos e cremes. Segundo Helena Barreiros, esta entrada possui uma composição “atribuível ao melhor cenógrafo”57. O arco é abatido e encontra-se ladeado por duas pilastras com capitel decorado com volutas de ramagem unidas por um tecido donde pende um ramo de grinaldas. Trata-se de um gosto decorativo ainda do tempo de D. Maria I mas que continuou nos inícios do século XIX. No átrio de entrada temos acesso à escada de serventia e aos portais das salas laterais, as antigas sobrelojas. Estas divisões possuem um portal com molduras em liós com linhas rectas Cf. Cf. BARREIROS, Helena, “Casa com Varandas” in Diário de Notícias – Caderno 2 Domingo, Ano 128, n.º 45.071, 16 de Agosto de 1992, p 9. 57 10 de Novembro de 2005 37 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões pouco decoradas. A do lado esquerdo apresenta ainda uma escadaria de cinco degraus ladeados por um motivo escultórico decorado com volutas. Fig 16 Arco triunfal da portaria A escada de serviço tem já uma tipologia típica do século XIX. Desenvolve-se em caracol ao longo de um saguão criado no prédio, iluminado por uma clarabóia, dando serventia aos diversos apartamentos. Este elemento é típico dos prédios de rendimento desde o período pombalino: o primeiro lanço é em pedra e o restante em madeira, que se desenvolve a partir de uma coluna central de capitel coríntio, fuste circular liso, assente num plinto oitavado também sem decoração. Unindo todo o conjunto temos uma protecção de escada com a decoração típica da época: ferros finos, pouco espaçados e decorados com volutas. O primeiro lanço assenta numa estrutura de pedra liós, pouco decorada onde existe um portal e, no vão da escada, um pequeno nicho que servia para o porteiro atender os visitantes durante a noite. A disposição da escada de serviço, bem como a existência de duas portas por andar leva a concluir que o prédio foi projectado para, em caso de necessidade, se dividir cada um dos apartamentos de luxo em dois mais pequenos destinados a inquilinos mais modestos. 38 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria 8.2 A autoria atribuível a Vicenzo Mazzoneschi Já referimos que a tipologia dos palácios marianos, em particular do Palácio Azul, terá sido determinante para a concepção da Casa das Varandas da Praça da Alegria. Pretendia Francisco Joaquim de Campos que este prédio fosse entendido como uma sucessão de pisos nobres. Contudo, existe também uma semelhança flagrante com outra obra de arquitectura: os desenhos do edifício que Vicenzo Mazzoneschi projectou para o primeiro barão de Quintela nas Ruas da Madalena e dos Fanqueiros. Estes desenhos, datados de 1805, encontram-se num álbum com outros desenhos deste arquitecto feitos para as cidades de Lisboa e Rio de Janeiro. Este álbum foi adquirido pelo arquitecto José da Costa e Silva, sendo depois vendido à Biblioteca Real que então se encontrava naquela cidade brasileira, estando actualmente na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro58. O projecto feito para o barão de Quintela (e nunca concretizado) consistia na conversão de um palácio num prédio de rendimento, com total desrespeito pelo projecto inicial dos prédios da Baixa. Tal como a Casa das Varandas da Praça da Alegria, o prédio de Mazzoneschi apresentava na sua fachada principal uma grande elevação em relação à cércea original pombalina, sendo o conjunto rematado por um piso composto apenas por três vãos, que serviria de mirante aos inquilinos, coroado por um frontão triangular. O prédio de rendimento do barão de Quintela seria muito maior do que a Casa das Varandas da Praça da Alegria, apesar de ambos apresentarem a mesma proporção, planimetria e tipologia. Para o prédio das Ruas da Madalena e dos Fanqueiros, Isabel Mendonça encontrou vária documentação que clarifica a sua história. O lote pertencia a João Roque Jorge que o comprou em 1798, na Casa das Conferências das Obras Públicas59. Na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro guarda-se também o projecto inicial que seria concretizado por este proprietário: uma fachada tipicamente pombalina com três pisos acima do térreo, mais águas furtadas, totalmente inserido na cércea envolvente, com a finalidade de servir para habitação própria. Em 1804, Joaquim Pedro Quintela era já o proprietário destes lotes. Foi-lhe aconselhado a desistir das plantas herdadas de João Roque Jorge porque não se adaptavam à função de prédio de rendimento. Quintela assim fez mas não escolheu o arquitecto do anterior projecto, como também lhe fora sugerido. De facto, escolheu o arquitecto romano Vicenzo Mazzoneschi a 58 59 Cf. MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho, Op. Cit., pp. 98 a 107. Cf. Idem, Op. Cit., p. 99. 10 de Novembro de 2005 39 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões qual em Março de 1805, já tinha concluído o projecto. Nesta data, Mazzoneschi remeteu os desenhos para aprovação ao arquitecto José da Costa e Silva, inspector das obras públicas. Fig 17 Alçado principal do edifício que Vicenzo Mazzoneschi projectou para o Barão de Quintela. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O projecto de Mazzoneschi ocupava quatro lotes (dois na Rua da Madalena e dois na Rua dos Fanqueiros) interligados entre si. Este projecto implicava também a demolição das casas nobres de João Roque Jorge, com a reutilização das cantarias. A ligação entre Costa e Silva, Mazzoneschi e Quintela remonta a 1793 na obra do Teatro de S. Carlos. Quintela cedeu os terrenos, Costa e Silva projectou o teatro e Mazzoneschi colaborou pintando cenários. Os projectos das casas das Ruas da Madalena e Fanqueiros que Mazzoneschi realizou para Quintela não foram concretizados. A invasão francesa atrasou a construção até 1816-1817 quando foi executada já segundo outro projecto. Isabel Mendonça, que analisou o projecto nunca concretizado e só conhecido pelos desenhos do Rio de Janeiro, aponta-o como algo de inovador na história urbanística de Lisboa, sobretudo pela introdução de mais pisos do que previa o plano pombalino, pela introdução de um mirante, pela animação da fachada através da distribuição dos ferros das sacadas, vãos de janelas, mirante, frontão triangular e pilastras, pela possibilidade de comunicação entre os vários apartamentos de cada piso e pela introdução de uma escada de serviço bem iluminada. Todas 40 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria estas características consideradas inovadoras estão também presentes na Casa das Varandas da Praça da Alegria, pelo que se pode deduzir que o prédio de rendimento do barão de Quintela e a Casa das Varandas de Francisco Joaquim de Campos terão sido projectados pelo mesmo arquitecto: Vicenzo Mazzoneschi. Fig 18 Corte do edifício que Vicenzo Mazzoneschi projectou para o Barão de Quintela Importa ver o percurso artístico de Mazzoneschi para verificar a viabilidade desta afirmação. Segundo os documentos compilados por Isabel Mendonça, Mazzoneschi nasceu em Roma em 1747, tendo sido cenógrafo no teatro dela Pallacorda de Florença, em 1777. De 1778 a 1789 trabalhou como pintor, cenógrafo e engenheiro teatral em Roma nos teatros Capranica, della Valle e Torre Argentina. Trabalhou como arquitecto teatral em Roma, na reconstrução dos teatros Ornani e Pallacorda. Em 1790, trabalhava como arquitecto do teatro de Málaga, inaugurado em 1793. Chegou a Lisboa nos finais deste ano tendo trabalhado na decoração dos cenários inaugurais do Teatro de São Carlos. Depois de um curto regresso a Málaga, voltou a Lisboa onde trabalhou como decorador cenógrafo do Teatro São Carlos. De 1796 a 1798 esteve no Porto envolvido na construção do Teatro de São João. Mais uma vez, regressou a Lisboa onde trabalhou novamente como cenógrafo do Teatro São Carlos, entre 1799 e 1800. A 25 de Julho de 1801, publicou um anúncio na Gazeta de Lisboa onde afirmava ter abandonado a carreira no teatro e se oferecia para trabalhar em qualquer parte do país em trabalhos de arquitectura e pintura. Morreu cego a 11 de Agosto de 1807. Deste período do final 10 de Novembro de 2005 41 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões da sua vida dedicado à arquitectura apenas são conhecidos dois projectos: o Palácio da Família Cruz Sobral (1802) e os prédios de rendimento do barão de Quintela (1805), ambos por concretizar. Deste modo, a atribuição a Mazzoneschi do projecto da Casa das Varandas da Praça da Alegria adquire muita importância no plano da História da Arte Nacional pois estaremos perante a única obra concretizada deste arquitecto, projectada já nos seus últimos meses de vida. A componente teatral e cenográfica da formação de Mazzoneschi está bem presente na Casa das Varandas, onde a localização no topo da Praça da Alegria, o desnível do terreno que descia suavemente para o Passeio Público e o frontão coroado com pináculos acentuavam a sua monumentalidade, como se de um palácio ilusório se tratasse. De igual forma, a portaria com o seu arco triunfal, vestíbulo e portais laterais amplamente decorados baseiam-se nos cenários de teatro, como Helena Barreiros notou60. Mas não é apenas na componente estética e cénica da fachada e da portaria que encontramos o traço de Vicenzo Mazzoneschi. A nível programático também encontramos coincidências. Tal como na Casa das Varandas, os prédios do barão de Quintela também possuíam paredes interiores sem valor estrutural possibilitando assim total liberdade do proprietário para uma reconversão do imóvel. De igual forma, também neste projecto encontramos os salões nobres voltados para a rua principal, uma escada de serviço no centro do imóvel e um saguão nas traseiras, algo que não era muito comum e que por isso se torna uma “assinatura” do arquitecto. 8.3 A pintura mural O período artístico designado por “Neoclássico” tem vindo a ser considerado pela generalidade dos historiadores como o mais negro da História da Arte Portuguesa61. Este preconceito assenta, em grande medida, nas considerações estéticas de Cyrillo Volkmar Machado e do Conde Raczynski, os pioneiros da nossa Historiografia de Arte, mas dois adversários do Neoclassicismo. Os seus seguidores formaram “escola” considerando a Arte somente enquanto ilustração do período histórico que a envolvia, privilegiando a valorização do património artístico dos períodos considerados “áureos” da História nacional: o Românico, o Gótico e o Manuelino. Cf. BARREIROS, Helena, Op. Cit., p 9. Cf. PEREIRA, José Fernandes, “O Neoclássico” in PEREIRA, Paulo (Dir.), História da Arte Portuguesa, Vol. III, 1995, p. 197. 60 61 42 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Mais recentemente, as “épocas párias” da História de Portugal, como o domínio filipino ou o Barroco, têm vindo a ser resgatadas do esquecimento, porém, o final do século XVIII e o reinado de D. João VI persistem rotulados como períodos de fraco interesse. Este facto relaciona-se com várias razões: falta de entendimento do Neoclássico por parte dos portugueses da época, decadência institucional do Estado e da Igreja, desenvolvimento de projectos megalómanos com pouco valor artístico e que nunca foram terminados (Palácio da Ajuda, Erário Público) e inexistência de pintores de renome, à excepção de Domingos António de Sequeira e Vieira Portuense. Com o rótulo de “infeliz” e “desinteressante” permanecem o Rococó e o Neoclássico português, termo que se coadunam com dificuldade quando comparados com a realidade patrimonial de certos imóveis como, por exemplo, a Casa das Varandas da Praça da Alegria. A persistência desta classificação advém, em grande medida, do facto dos historiadores portugueses procurarem os testemunhos artísticos deste período nas instituições que sempre lideraram a produção de obras de arte: o Estado e a Igreja. Ambos estavam agora em profunda crise institucional, não se encontrando grandes testemunhos deste período. Por outro lado, como verificámos, a Burguesia fervilhava com o Comércio, a Indústria, a Especulação e a Agricultura. Será, portanto, nas pequenas encomendas privadas da Burguesia (os prédios de rendimento, as quintas e os palácios) que iremos encontrar os genuínos testemunhos da Arte deste período. Claro que temos de ter em consideração o perfil burguês do encomendante: fraca formação cultural, muito dinheiro e uma vontade insaciável de o demonstrar. A soma destes factores dará uma arte de grande qualidade técnica mas frívola, pretensiosa, por vezes até despropositada para o local onde se insere, e com um conteúdo cultural pouco desenvolvido. Esta caracterização ilustra a Casa das Varandas: implantada num local que pouco tinha de nobre, rodeada de barracas, pretende ser mais palaciana e monumental que o próprio Palácio Azul embora, no fundo, não seja mais que um prédio de apartamentos. Os seus interiores mostram este mesmo entendimento: pintura mural digna de um palácio de um rei mas que ornamentam apenas um apartamento que se alugava a quem desse o preço pedido. A pintura mural é utilizada no revestimento interior das habitações desde a época romana, nunca se tendo perdido esta técnica ao longo da História. No caso das habitações particulares, a pintura mural sempre serviu para afirmar ao visitante o prestígio, o bom gosto e a riqueza do proprietário. Por esta razão, se optou por revestir as divisões de acesso público e não tanto as de acesso restrito, ou seja, iremos encontrar os melhores testemunhos de pintura mural deste período nos salões nobres utilizados para receber as visitas e não nos quartos particulares. 10 de Novembro de 2005 43 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Como a pintura mural servia para afirmação da riqueza aos estranhos, serão revestidas também as salas que abrem para a via pública, para que, no exterior, os transeuntes pudessem vislumbrar a decoração dos revestimentos murais, mesmo sem serem convidados a entrar. Diversos contratos de reedificação de prédios nesta época referem que as divisões voltadas para a rua teriam pinturas figurativas, enquanto que as do interior apenas teriam adoração simples. A primazia do revestimento em pintura mural dos salões de visita voltados para a rua está presente na Casa das Varandas da Praça da Alegria. As salas que ainda hoje preservam a sua decoração mural são, precisamente, os grandes salões centrais voltados para a via pública. As salas são todas semelhantes entre si, com planta rectangular numa proporção de 3x2 e três varandas voltadas para a rua. Apresentam também dois pares de portas no topo de casa sala. A cobertura é em tecto de madeira fasquiada revestida a estuque, o suporte ideal para este tipo de pintura. As pinturas apresentam-se num estilo Neoclássico, inspirado nas pinturas descobertas em Pompeia e Herculano. Estas cidades romanas foram escavadas de forma sistemática a partir de 1748 o que as resgatou da grossa camada de pedra-pomes com que estavam soterradas, resultante de uma erupção do Vesúvio no século I d.C. As descobertas arqueólogicas da época mostraram duas cidades bem preservadas, principalmente em relação à pintura mural do interior das habitações. Descrições e gravuras das descobertas arqueológicas circularam por toda a Europa levando a um renascer do gosto pelos motivos decorativos da Arte Clássica considerada como o período áureo da Humanidade. O Neoclássico retomaria enquanto uma das suas expressões a decoração de salas com pintura mural, imitando ou recriando as composições descobertas em Pompeia. O salão central do primeiro piso preservou apenas a pintura do tecto. A parede foi entretanto picada e rebocada pelo que se perderam as composições pictóricas aí existentes. A pintura do tecto apresenta “restauros” grosseiros, já antigos, possivelmente do início do século passado. Estes repintes foram efectuados, principalmente, sobre as figuras do medalhão central. O tecto apresenta-se escurecido pelo tempo, sendo visíveis algumas fissuras no suporte. 44 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Fig 19 Aspecto geral do tecto do salão nobre do 1º piso da Casa das Varandas da Praça da Alegria. No medalhão central, de forma oval, encontra-se o elemento iconográfico principal do conjunto: uma mulher, de seios descobertos e segurando um regador esvoaça pelo céu, ladeada por dois anjos, um deles com um tabuleiro com flores. O outro anjo recebeu um repinte nos braços pelo que os seus atributos iconográficos não são perceptíveis. Emoldurando o conjunto temos uma ramagem de folhas de oliveira. Esta composição pretende representar a Primavera. O regador deitando água simboliza a chuva que fertiliza os campos, sendo por isso um símbolo de prosperidade62. As flores que o anjo segura são as promessas de frutos que a Primavera nos traz. Se considerarmos que Francisco Joaquim de Campos vivia no primeiro piso e que a sua riqueza provinha da agricultura, veremos a sua ligação com esta estação do ano, justificando-se assim a escolha deste tema. O restante tecto apresenta elementos decorativos imitando cortinas que envolvem o medalhão central. Aos cantos formam-se trompas onde foram colocados pequenos medalhões ovais, cada um representando uma figura de pé. Estas figuras não têm qualquer símbolo iconográfico que as identifique, duas são femininas e duas masculinas, três estão com um dos 62 Cf. CHEVALIER, Jean, e GHEERBRANT, Alain, Dicionário dos Símbolos, 1997, pp. 192 e 193. 10 de Novembro de 2005 45 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões braços no ar e uma delas dança. Parece não existir aqui uma intencionalidade em transmitir um significado simbólico. Fig 20 Representação da Primavera no medalhão central do salão nobre do primeiro piso Na cimalha do tecto com a parede existe uma barra de pintura mural que se encontra preservada e sem repintes. Nela podemos ver diversos pares de mulheres abraçadas, figuras híbridas, nuas da cintura para cima e convertidas em ramagens na metade inferior. Todas seguram festões de flores, servindo assim de complemento ao medalhão central na mensagem de prosperidade geradas pela Primavera. Nos medalhões centrais encontramos dois meninos que se encontram recostados, um contra o outro, por vezes abraçados. Estes medalhões estão envolvidos numa moldura de vimes atados, o que reforça a ideia de união. A criança é o símbolo da inocência, da espontaneidade e da simplicidade63. Poderá haver uma ligação directa entre este significado simbólico e a fonte de riqueza de Francisco Joaquim de Campos, ou seja a Agricultura. Numa economia onde o Comércio e a Indústria começavam a despontar, aquela actividade era ainda para a mentalidade da época a forma mais simples de se criar riqueza. As restantes necessitavam de complicados exercícios mentais, de difícil compreensão para o agricultor habituado às leis da Natureza. 63 Cf. Idem, Op. Cit., p. 240. 46 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Os medalhões dos cantos possuem composições com três figuras que parecem ter sido retiradas de narrativas mitológicas. Numa delas vemos um soldado segurando pelos cabelos uma mulher, nua, com uma criança ao seu lado. Noutra vemos um homem de barbas que deposita algo num vaso sendo acompanhado pela esposa e pelo filho. Fig 21 Pormenor de composição com três figuras no tecto do salão nobre do primeiro piso Não existe o propósito de que identifiquemos a proveniência iconográfica das cenas, mas antes que tenhamos consciência do número de elementos presentes de cada composição. Como verificámos, os três conjuntos de pequenos medalhões apresentam entre si uma sequência numérica. Os primeiros contêm apenas uma figura, os segundos duas e os terceiros três. Esta sequência pretende demonstrar que no Universo cada número tende a gerar próximo. O 1 gera o 2; o 2 gera o 3, etc64. Trata-se de uma afirmação do impulso da Natureza para a multiplicação. Mais uma vez encontramos a ligação à Agricultura, onde cada semente gera uma árvore que dará frutos que, por sua vez, darão mais sementes. Esta leitura simbólica parece contradizer a tese de que o Neoclássico é uma arte decorativa sem grandes pretensões intelectuais. De facto, é bastante provável que este simbolismo tenha sido contagiado involuntariamente por gravuras que acompanhavam as composições da Primavera e que nem o pintor nem o encomendante tivessem consciência do seu significados simbólicos. Feita a leitura iconológica desta sala verificamos que a sua pintura é dedicada à Natureza e à riqueza que ela proporciona. A mensagem aqui subjacente coaduna-se na perfeição com a vida de Francisco Joaquim de Campos o qual, perante o investimento então vigente na Indústria e no Comércio, preferiu dedicar-se à mais antiga forma de produção de riqueza que a Humanidade conhecia: a Agricultura. Ainda assim, estamos perante um programa bastante simples, linear, despreocupado e decorativo. 64 Cf. Idem, Op. Cit., p. 479. 10 de Novembro de 2005 47 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Já no segundo piso encontramos o salão central onde se destaca a beleza original da sua pintura. Contou bastante para isto o restauro que a sala recebeu por intermédio do Instituto Ricardo Espírito Santo Silva. Fig 22 Aspecto geral do tecto do salão nobre do segundo piso Mais uma vez temos um medalhão central com uma personagem da mitologia clássica. Trata-se de Minerva, a deusa da sabedoria e da guerra estratégica e inteligente. A figura trás consigo os seus atributos: o capacete de guerra, a lança, e uma cota de malha. Tal como a Primavera do piso inferior, Minerva encontra-se acompanhada por dois anjos. Um deles segura o escudo de Perseu. Segundo a lenda, Minerva (ou Atena, na versão grega) ofereceu um escudo com um espelho para que Perseu matasse a Medusa, sem ter que olhar directamente para ela. Deste modo, o herói grego pôde evitar ser transformado em estátua. É a cabeça da Medusa que vemos reflectida no espelho. O outro anjo também deveria ter um atributo da Deusa, mas perdeu-o devido a um repinte que o restauro optou por manter. A sua mão direita aponta para algo, mas em lugar do atributo só se vê uma nuvem e uma mão esquerda bastante imperfeita. De igual forma, a perna esquerda de Minerva e os panejamentos envolventes também são obra de um repinte fraco de quem não entendeu a composição. Ainda assim, é possível comprovar a qualidade da pintura visível na parte superior da deusa e no anjo intacto. 48 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria A decoração que reveste a restante sala baseia-se em motivos florais e ramagens. Encontramos no tecto e nas paredes diversos conjuntos de medalhões com figuras, mas de estrito efeito decorativo, destacando-se quatro pares de anjos que seguram vasos com flores. Nos cantos do tecto, encontramos outro conjunto de quatro anjos, cada um deles acompanhado por um atributo: uma bolsa65, um cacho de uvas, uma chama e uma coroa de flores, todos símbolos iconográficos referentes à vida. Fig 23 Medalhão central representando Minerva no salão nobre do segundo piso As paredes apresentam uma decoração semelhante. Molduras decoradas com flores, medalhões, faunos, anjos, flores e vasos delimitam painéis pouco decorados que serviram outrora para colocar pinturas. Em baixo, encontramos um soco com pintura imitando grades de bronze ladeando medalhões com cenas campestres. Este conjunto apresenta-se muito decorativo. Os únicos elementos iconográficos são a representação de Minerva e os anjos com os atributos à Vida. É possível que as pinturas tenham sido feitas sem que houvesse uma função concreta para a sala. Como o prédio seria para arrendamento, Francisco Joaquim de Campos encomendou um conjunto sem um significado iconológico específico. 65 Cf. Idem, Op. Cit., p. 126. 10 de Novembro de 2005 49 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Ao lado desta sala central do segundo piso encontra-se outra de planta quadrada e que também apresenta pintura no tecto. Um medalhão circular ostenta dois anjos que seguram um cesto de flores. É um elemento meramente decorativo que se apresenta adulterado pelo “restauro” do século passado. O medalhão encontra-se envolvido por decoração linear e motivos vegetalistas também simples. Esta decoração pretende secundarizar a sala em relação ao salão central. Fig 24 Medalhão central de sala contígua ao salão nobre do segundo piso Existe ainda outra sala pintada recentemente descoberta devido a uma inundação no prédio que acabou por a denunciar. Em boa hora se procedeu ao seu restauro que está de momento a decorrer. Trata-se de um tecto com uma decoração simples, com cestos de flores. A sua existência no interior do edifício leva a crer que a grande maioria das salas tenham exibido pinturas murais, sendo também possível que algumas delas ainda preservem a pintura por baixo do reboco. Fig 25 Restauro de tecto pintado recentemente descoberto em uma sala interior A sua descoberta e restauro não são prioritários, uma vez que se tratam de operações onerosas que obrigarão a uma permanente manutenção das pinturas. As pinturas que se encontram debaixo da cal ou do reboco encontram-se preservadas podendo assim ser postas a descoberto no futuro. Deverá haver contudo consciência que as pinturas poderão existir, o que deverá estar sempre presente em futuros projectos de reabilitação do imóvel. 50 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Descobrir a autoria destas pinturas é bastante difícil face ao desconhecimento geral do período. Faltam os estudos, os inventários, os recenseamentos de pintores e de contratos de obra. Só na Praça da Alegria viviam cinco pintores: António José Nunes Vieira, Joaquim Marques, Julião Paulo, Joaquim José Cortes e Alexandre João66. No entanto, a qualidade das pinturas da Casa das Varandas não deve ter surgido de um pintor local. De facto, fomos encontrar dois outros imóveis com salas pintadas pela mesma mão e com a mesma tipologia de estrutura de tecto e de composição artística: figura alegórica num medalhão central, cartelas aos cantos com meninos, vasos com flores e linhas clássicas decalcadas de cartões. Ambas são obras de qualidade, de uma equipa que envolvia carpinteiros, estucadores e pintores de vários níveis, possivelmente associados ao empreiteiro que lidava com o cliente. Fig 26 Salão nobre da Quinta da Francelha O primeiro edifício é o prédio sito na Rua das Flores n.ºs 5 a 9, de que já falámos. Este prédio, construído durante a mesma conjuntura arquitectónica que a Casa das Varandas, possui também salas pintadas pela mesma equipa de carpinteiros, estucadores e pintores que ali trabalharam67. Este facto reforça a ideia que o empreiteiro trazia consigo vários profissionais apresentando assim ao cliente um produto final mais completo. O outro edifico é a Quinta da Francelha (Concelho de Loures, Freguesia de Sacavém) com salas comparáveis aos salões nobres da Casa das Varandas, com a mesma estrutura de tectos, composição e motivos decorativos68. Cf. AHTC, Livros da Décima da Cidade, Freguesia de São José, Maço 562, Livro de Arruamentos de 1806, fls. 159v, 161v, 162 e 163. 67 Cf. SILVA, Raquel Henriques, Op Cit., Vol. 1, p. 124 e Vol 2, figs. 51.7 e 51.8. 68 Cf. STOOP, Anne de, Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa, 1999, pp. 57 a 60. 66 10 de Novembro de 2005 51 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Infelizmente, a ausência de fontes e de bibliografia impede que estes exemplos contribuam para a interpretação dos conjuntos da Casa das Varandas. Existe ainda outro exemplar que pode trazer luz sobre estes conjuntos. Trata-se da Sala das Sabinas do Palácio Quintela, à Rua do Alecrim. Esta sala foi encomendada pelo 1º Conde de Farrobo, 2º proprietário do Palácio, em 1822. Apresenta uma tipologia estrutural semelhante com um medalhão circular ao centro, no tecto, com uma alegoria feminina a esvoaçar pelo céu acompanhada por um anjinho que segura um tabuleiro de flores e frutos. Esta composição é muito semelhante à do medalhão do 1º piso da Casa das Varandas. A Sala das Sabinas foi projectada pelo Arquitecto Joannes Baptista Hilbrath, à época concessionário do Teatro São Carlos e foi pintada por António Manuel da Fonseca que representou composições de grande qualidade nas paredes da divisão, dedicadas ao rapto das Sabinas. Mas será António Manuel da Fonseca o autor dos salões nobres da Casa das Varandas, do prédio da Rua das Flores e da Quinta da Francelha? Helena Barreiros, seguindo a opinião de Júlio Brás que orientou o restauro da sala do segundo piso, atribuiu as figuras mitológicas a Pedro Alexandrino (1730-1810)69. Pedro Alexandrino foi um seguidor de André Gonçalves, o grande responsável pela introdução da pintura barroca de estilo italiano em Portugal, tendo sido o principal pintor do Estado e das encomendas da Igreja70. Este aspecto leva-nos a colocar algumas reservas quanto à linearidade desta atribuição. Pedro Alexandrino estava em 1808 com quase oitenta anos de idade e decerto ainda apegado ao estilo que lhe dera sucesso: o Barroco de estilo italiano. Ora, as pinturas da Casa das Varandas, do prédio da Rua das Flores e da Quinta da Francelha são em estilo Neoclássico, pompeiano, um gosto que só apareceu em Portugal nos inícios do século XIX. Não é provável que Pedro Alexandrino abandonasse o estilo em que sempre pintou para aos oitenta anos de idade enveredar por um gosto distinto e inovador. Por outro lado, a ligação deste pintor às encomendas do Estado e da Igreja afastava-o das encomendas privadas. É certo que Pedro Alexandrino era conhecido por nunca recusar uma encomenda e por pintar a baixo preço, contudo a sua carteira de clientes insere-se toda dentro do Estado e da Igreja. Este pintor poderia mesmo classificar as encomendas de um burguês como desprestigiantes para a sua carreira. Por outro lado, o empreiteiro e o dono da obra, que tinham por principal Cf. BARREIROS, Helena, Op. Cit., p 9. Cf. CALADO, Margarida, “Alexandrino, Pedro” in PEREIRA, José Fernandes (Dir.), Dicionário da Arte Barroca em Portugal, 1989, pp. 23 a 25. 69 70 52 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria objectivo o lucro, não iriam encomendar pinturas destinadas a um apartamento de arrendamento a um pintor consagrado, ligado ao poder, pois os seus honorários seriam desproporcionais. Uma prova de que Pedro Alexandrino não se afastava do Estado e da Igreja foi a crise económica que este pintor atravessou no final da sua vida. Quando estas instituições entraram em decadência e acabaram com as encomendas, Pedro Alexandrino ficou numa posição difícil. Não recebia grandes encomendas, mas também não trabalhava com privados. Este facto levouo a vender as suas propriedades agrícolas, algo que só acontecia perante necessidades urgentes de liquidez, pois a terra era considerada a mais segura fonte de rendimento e, sempre que possível, era deixada em herança aos sucessores. A 3 de Janeiro de 1809, Pedro Alexandrino vendeu por 44.000 réis uma courela de vinha situada na Povoa de Santo Adrião a José Gomes Botelho71. Por estas razões, julgamos que os salões da Casa das Varandas, do prédio da Rua das Flores e da Quinta da Francelha foram pintados por António Manuel da Fonseca em início de carreira, quando este pintor se encontrava associado a uma equipa de vários elementos que tinham por tarefa decorar salões em estilo pompeiano. António Manuel da Fonseca nasceu em 1796 e foi um dos principais pintores de seu tempo. A sua carreira só é conhecida a partir de 1820, quando pintou um retrato régio para uma festa no Palácio das Laranjeiras pertencente ao Barão de Quintela. Terá sido este patrono a encomendar-lhe, em 1822, as pinturas na Sala das Sabinas e em diversas outras divisões no Palácio Quintela na Rua do Alecrim. Em 1826, seguiu para Roma com um subsídio do mesmo mecenas72. Mas em que ano terão sido feitas as pinturas murais nos salões nobres da Casa das Varandas? Relendo os livros da Décima da Cidade, vemos que o período de 1811 a 1820 foi o mais próspero nas quantias que Francisco Joaquim de Campos recebeu do arrendamento da Casa das Varandas. Observando com mais pormenor, vemos que o segundo andar esteve sempre arrendado a D. Teresa da Silva Brandão desde a sua conclusão (2º semestre de 1808), até Dezembro de 1815 com excepção do 2º semestre de 1814 em que o andar esteve vazio. Este intervalo na presença da inquilina denuncia que as pinturas murais na Casa das Varandas terão sido feitas na segunda metade de 1814, obrigando à saída temporária da inquilina. A pessoa que a sucedeu pagou mais 62.000 réis por ano, o que demonstra que o 2º andar ficou valorizado com as pinturas do salão nobre. 71 72 Cf. IAN/TT, Cartórios Notariais de Lisboa, actual cartório 7, antigo cartório 9B, livro 173, fls. 31 a 32v. Cf. PAMPLONA, Fernando de, Op. Cit., Vol. 2, pp. 317 a 323. 10 de Novembro de 2005 53 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Assim, as pinturas murais foram encomendadas por Francisco Joaquim de Campos bastante tempo depois da conclusão da obra. É possível que, em 1814, quando António Manuel da Fonseca contava apenas 18 anos de idade, este tenha integrado uma equipa muitidisciplinar e feito as pinturas decorativas nos vários salões nobres da burguesia lisboeta, entre os quais o da Casa das Varandas. Por volta de 1820, o seu talento foi descoberto pelo Barão de Quintela que o empregou e passou a proteger, tendo por isso abandonado a equipa de carpinteiros e estucadores associados a um empreiteiro. As pinturas em casas particulares de sua autoria serão assim datáveis do período de 1810 a 1820. António Manuel da Fonseca regressou de Roma em 1836, aclamado pelo talento demonstrado com os mestres da época. Foi de imediato nomeado professor de pintura histórica da Academia de Belas-Artes, onde sempre defendeu os cânones clássicos da pintura romana. Bastante elogiado de início foi sendo cada vez mais criticado e classificado de antiquado. A Europa voltara-se para o Romantismo e Roma deixara de ser o centro artístico que sempre fora. A vanguarda da Arte fazia-se agora na Inglaterra, na Alemanha e em França. Foi mestre do Rei D. Carlos, que também se notabilizou na pintura, vindo a morrer em 1890, quase centenário. 8.4 A azulejaria O azulejo é uma das principais especificidades da Arte antiga portuguesa, que se soube adaptar às mudanças do gosto vigente, recebendo influências dos azulejos de Talavera (segunda metade do século XVI) e dos azulejos holandeses (segunda metade do século XVII). A razão para este sucesso assenta em três razões fundamentais: capacidade de resposta ao gosto excessivamente decorativista dos portugueses, capacidade para imitar a um baixo preço técnicas consideradas dispendiosas e capacidade para revestir grandes superfícies gerando um grande impacto visual a um preço competitivo. O azulejo, ao longo da sua história, imitou a tapeçaria, a arquitectura, a pintura mural, os brocados e a faiança, sempre a um custo reduzido. O principal centro de produção foi Lisboa devido a concentrar a maioria das encomendas, de possuir acesso às matérias-primas de melhor qualidade e de ter montada uma estrutura préindustrial de vulto. De facto, em pleno século XVII e XVIII funcionavam em Lisboa diversas fábricas de azulejaria nos Anjos e na Madragoa. A arte do azulejo foi escolhida por Pombal para ser um sector de intervenção estatal ao ter criado a Real Fábrica do Rato, com o objectivo de criar à escala industrial uma tipologia de azulejo que impedisse a crescente importação das louças de Saxe. 54 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Nos inícios do século XIX, o azulejo continuava a ser uma arte em activo. A burguesia e a nobreza procediam a diversas encomendas para revestimento de interiores e exteriores. Como o azulejo era um material barato que pretendia imitar outras técnicas mais nobres, como a louça de Saxe não será utilizado nos salões nobres, utilizando-se aqui apenas pintura mural, ou pintura mural com um soco em azulejo. A utilização do azulejo recaía preferencialmente em locais sujeitos a grande desgaste, tanto por se tratar de exteriores como por serem divisões de acesso público. O azulejo nesta época será assim encontrado em portarias, escadarias, cozinhas, divisões de acesso público ou então no exterior (jardins e, mais raramente, fachadas). Fig 27 Painel de azulejos neoclássico Por esta razão, a Casa das Varandas exibe azulejos apenas na escada de serviço, em alguns corredores das sobre lojas. Francisco Joaquim de Campos optou por utilizar pintura mural nos salões nobres dos apartamentos, o que demonstra a qualidade pretendida para a decoração deste prédio. Na Casa das Varandas estão presentes duas tipologias de azulejos. A primeira é a dos painéis de padrão neoclássico, com fundo branco, motivos vegetalistas em desenhos diagonais, entrelaçados e traço fino. Trata-se de painéis pequenos emoldurados por outro padrão com as mesmas características: desenho fino, motivo vegetalistas e fundo branco. Estes painéis são utilizados em alguns corredores, estando por isso mais sujeitos ao desgaste do uso. A segunda tipologia consiste nos azulejos que revestem a escada de serviço, dispostos em painéis de médias dimensões (maiores que os anteriores), decorados com molduras arquitectónicas simples, com um medalhão ao centro e um motivo vegetalista de oito folhas. 10 de Novembro de 2005 55 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Estes seriam provenientes da Fábrica do Rato pela utilização das cores típicas desta oficina: amarelo e verde. Contudo, o seu desenho rude e tosco impede que seja feita uma atribuição tão linear. É muito possível que sejam azulejos já da segunda metade do século XIX, ou mesmo do século XX, imitando os motivos da fábrica do Rato e aqui colocados para substituir azulejos originais muito degradados. Fig 28 Painéis de azulejos na escadaria central 9. Percurso ao longo dos séculos XIX e XX A Casa das Varandas foi apresentada à Lisboa burguesa no Verão de 1809. Os seus apartamentos de luxo destinavam-se a burgueses que necessitavam de passar alguns meses fora da sua residência por qualquer motivo. Francisco Joaquim de Campos residia no 1º andar e ocupava as sobre-lojas com funções de serventia ao prédio. Ficavam para arrendamento as duas lojas, o 2º e 3º andares e a água furtada. Destes apartamentos, o mais caro era o do 2º andar e o mais barato a água furtada, por vezes dividida em duas habitações para facilitar o arrendamento. A primeira inquilina do 2º andar foi D. Teresa da Silva Brandão que o alugou por 240.000 réis por ano e aí permaneceu até, pelo menos, o final de 1815. O 3º piso era alugado a diversas pessoas que ficavam um semestre ou um ano. Em 1812, um delegado do ministro espanhol ficou “aboletado” no 3º piso, ou seja, residindo sem pagar qualquer renda73. Em 1817, encontramos outro inquilino no 2º andar: Cristóvão Buchar que pagava uma renda bastante inflacionada: 312.000 réis por ano74. No 3º andar outra inquilina estrangeira: Margarida Cf. AHTC, Livros da Décima da Cidade, Freguesia de São José, Maço 564, Livro de Arruamentos de 1812, fl. 165v. 74 Cf. Ibidem, Maço 565, Livro de Arruamentos de 1817, fl. 173. 73 56 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Brume, que pagou 290.000 réis pelo piso. Em 1818, as rendas foram renegociadas e os estrangeiros pagaram, cada um, menos 10.000 réis75. Em 1821, o 2º andar foi arrendado ao Dr. António Bernardino Gomes que não deu mais que 200.000 réis por ano a Francisco Joaquim de Campos76. Este inquilino acabou por ficar consagrado na história do edifício pela aplicação de duas lápides que nos dizem que faleceu na Casa das Varandas, no dia 13 de Janeiro de 1823. 9.1 Um inquilino notável: Dr. António Bernardino Gomes O Dr. António Bernardino Gomes nasceu em Paredes de Coura a 29 de Outubro de 1768 e foi o 3º filho do médico de província, Dr. José Manuel Gomes, e de Josefa Maria Clara77. Ingressou na Universidade de Coimbra tendo terminado a licenciatura em 1793, conseguindo logo de imediato ingressar como médico municipal de Aveiro onde viria a desenvolver um grande trabalho no tratamento de marinheiros. Essa actividade deu-lhe uma grande experiência que se revelou essencial para ingressar na Marinha. Em 1797 foi nomeado Médico da Armada e viajou para o Brasil onde ficou até 1801. Aqui estudou as diversas plantas nativas e o seu poder curativo utilizado pelas populações indígenas e coloniais. Estes conhecimentos seriam fundamentais para o seu percurso profissional. Regressou a Lisboa em 1801, tendo-se casado com D. Leonor Violante Rosa Mourão resultando deste casamento seis filhos. O que mais se destacou foi o seu filho, também chamado Bernardino António Gomes (1806-1877), que foi igualmente um médico notável e biógrafo de seu pai. Logo após o casamento, o Dr. Bernardino andou embarcado até Abril de 1804, quando solicitou ser transferido para o Hospital da Marinha, em Lisboa. Nesta segunda comissão notabilizou-se por ter salvo toda a tripulação de um navio de guerra português ao largo de Gibraltar que padecia de febres. Este acto era considerado pelo médico como a sua maior glória profissional devido às implicações militares e estratégicas que a perda desta tripulação teria implicado para Portugal. Em 1805 foi nomeado primeiro médico do Hospital Militar da Corte tendo-se demitido a 22 de Setembro de 1810 devido a desentendimentos com a hierarquia da Marinha. A partir daqui dedicou-se inteiramente à investigação e à medicina privada. Em Agosto de 1813 foi nomeado membro da Junta de Saúde tendo trabalhado com leprosos. Cf. Ibidem, Maço 566, Livro de Arruamentos de 1818, fl. 159. Cf. Ibidem, Maço 567, Livro de Arruamentos de 1821, fl. 180. 77 Cf. MACHADO, Virgílio, O Doutor Bernardino Gomes 1768-1823: a sua vida e a sua obra, 1925. 75 76 10 de Novembro de 2005 57 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Em 1817 recebeu uma ordem do Rei para acompanhar desde Livorno até ao Rio de Janeiro a princesa D. Leopoldina, noiva do príncipe herdeiro D. Pedro. O médico hesitou em assumir esta tarefa. Acabou por aceitar devido ao estatuto social que isso lhe conferia pois iria conviver com o rei, com a futura rainha e com o príncipe herdeiro. Contudo, tempo pouco depois, o Dr. Bernardino arrependeu-se desta decisão pois verificou que essa viagem significaria perder a sua carteira de clientes em Lisboa. Para além disso, iria ausentar-se da companhia da família, regressar ao mar e, principalmente, ficar responsável pela saúde de uma pessoa de grande importância que não conhecia. Para agravar o inconveniente desta decisão, recebeu nova ordem já no Rio de Janeiro para levar de volta os membros da comitiva da princesa até Livorno. Além disto, não recebeu qualquer remuneração por esta tarefa nem ajudas de custo, ao contrário dos outros membros da comitiva. Fig 29 Retrato do Dr. Bernardino António Gomes por Domingos Sequeira Regressou pois a Lisboa, em 1819, tendo retomado o seu serviço na clínica privada, na investigação e no tratamento dos leprosos. Virgílio Machado, autor de uma monografia dedicada a este médico consultou o seu arquivo particular que estava na posse da família tendo dado como exemplo os anos de 1814 e 1815 para ilustrar a sua prosperidade financeira. Estes anos devem ter sido os mais prósperos para o médico pois possuía já quatro anos de experiência na clínica privada, o que lhe dava uma boa carteira de clientes. A ida para o Brasil destabilizou este desafogo financeiro. 58 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria A razão para o sucesso do Dr. Bernardo António Gomes resultava da aplicação da sua metodologia científica. A medicina tradicional europeia resultava muito da aplicação de tratamentos empíricos e baseados em códigos morais e culturais. Os textos ditos científicos eram, na verdade, tratados medievais ou clássicos, copiados sistematicamente, onde religião e superstição se misturavam sem qualquer fundamentação científica. Poucos eram os médicos que faziam experiências ou analisavam com rigor os resultados dos tratamentos aplicados. O Dr. Bernardino António Gomes demarcava-se desta medicina curandeira, pois fundamentava a sua acção em dois pilares: permanente actualização com os estudos científicos feitos na Europa e análise das substâncias químicas como tratamento das doenças. O seu principal feito científico foi o de ter isolado a substância activa da casca de Quina, uma planta sul-americana utilizada pelos índios no combate às febres. Este estudo foi publicado e lido pelos franceses Pellentier e Caventou que criaram a substância da “Quinina”, medicamente essencial ao combate do paludismo e que abriu as portas do sertão africano ao colonialismo europeu. Esta descoberta é essencial para a História do século XIX e XX da África e da Europa pois possibilitou as explorações, a divisão do continente e a forma do actual mapa africano. Outra acção que notabilizou o Dr. António Bernardino Gomes foi o de ser membro fundador da Instituição Vacínica da Academia das Ciências, em 1804. Os estudos sobre a vacinação da varíola foram publicados por Jenner em 1798 e, logo no ano seguinte, já se faziam vacinações em Portugal. Infelizmente, a invasão francesa e a morte de um filho do Duque de Lafões em reacção à vacina atrasou todo o processo em Portugal que, pela mão do Dr. Gomes estava na vanguarda deste método de prevenção. Finalmente, o Dr. António Bernardino Gomes também contribuiu para o estudo da botância brasileira, para a cura do tifo, das doenças de pele, da lepra e das ténias, onde experimentou um tratamento com infusões de casca de romãzeira brava, baseado na tradição das culturas da Índia, conseguindo óptimos resultados que publicou. A importância das suas conquistas científicas ofusca as informações que possam ser úteis à interpretação da história da Casa das Varandas da Praça da Alegria. Ficamos apenas com algumas informações circunstanciais. Nas suas memórias, o médico afirma que um dos inconvenientes da ida para o Brasil foi suspender talvez, para sempre, a edificação duma casa já meia feita78. Por esta informação sabemos que o médico estava a construir uma casa própria, devendo ser esta a razão que o levou a residir na Praça da Alegria entre 1821 e 1823. 78 Idem, Op. Cit., p. 73. 10 de Novembro de 2005 59 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Também sabemos que o médico não recebia os doentes em casa preferindo visitá-los nas suas próprias habitações. Esta particularidade leva-nos a afirmar que o médico vivia não no primeiro, mas no segundo piso, onde se encontram as pinturas dedicadas a Minerva e as alegorias à vida. A subida de um enfermo a um segundo andar podia ser considerada com desconforto, afastando os clientes, pelo que o médico preferia deslocar-se às residências dos doentes. Os livros da Décima da Cidade confirmam esta hipótese pois apontam o médico como morador no 2º andar do prédio. Fig 30 Lápides colocadas no 1º andar na Casa das Varandas, em 1923, em homenagem ao Dr. Bernardino António Gomes. O Dr. António Bernardino Gomes morreu no segundo andar da Casa das Varandas, na Praça da Alegria, no dia 13 de Janeiro de 1823, com apenas 54 anos, vítima de doença de estômago, sem que o seu trabalho científico fosse reconhecido. Cem anos após a sua morte, quando se comemorava o centenário da fundação da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, foi criada a Secção de História da Medicina, tendo Virgílio Machado proferido uma comunicação dedicada a António Bernardino Gomes na sessão de 8 de Março de 1924. Pouco depois, a 21 de Março, a Câmara Municipal de Lisboa associou-se às comemorações oferecendo-se para colaborar na cerimónia pública de homenagem ao médico. A 18 de Junho foi aprovada pela unanimidade do Senado municipal a proposta apresentada pelo Vereador do 60 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria pelouro da instrução, Alexandre Ferreira, para que fosse colocada na frontaria da Casa das Varandas da Praça da Alegria uma lápide comemorativa referindo a data da morte do médico e os seus méritos científicos79. Ainda se abriu uma subscrição pública para a construção de um monumento a colocar numa das avenidas novas que entretanto se construíam na cidade, porém, apenas se conseguiu publicar uma monografia sobre a vida do médico. A ligação deste notável cientista à Casa das Varandas da Praça da Alegria é mais um dos muitos aspectos que valorizam a história do imóvel e a sua importância na cidade de Lisboa. 9.2 O Visconde de Picoas Após a morte do Dr. António Bernardino Gomes, o 2º andar, tal como os restantes apartamentos (3º andar e água furtada), estiveram arrendados a diferentes pessoas. No 2º andar residiram Joaquim José da Costa (1824), D. Luís Gonçalo da Câmara (1825), António Holano Monteiro Torres (1826), João Fernando da Cruz (1827 e 1828) e Aniceto José dos Santos (1829 e 1830). Destes inquilinos do andar nobre destaca-se D. Luís Gonçalo da Câmara, figura de apelido nobre mas que, de todos, foi o que menos pagou pelo apartamento: 192.000 réis. No primeiro semestre de 1831, a Casa das Varandas foi vendida por Francisco Joaquim de Campos ao conselheiro António Esteves da Costa, opulento capitalista de Lisboa. António Esteves da Costa nasceu na Freguesia de Santiago da Faia, a 22 de Fevereiro de 1764. Era filho de Vicente da Silva Bastos, natural do Arco de Baulhe (Cabeceiras de Basto) e de sua mulher, D. Maria Joana da Costa. O seu poder económico levou-o a ter boas relações com todos os governos que passaram pelo período conturbado que se seguiu à morte do rei D. João VI. A 15 de Outubro de 1827 recebeu o título de membro do Conselho do Rei D. Pedro IV. A 7 de Dezembro de 1831, poucos meses depois de ter comprado a Casa das Varandas, recebeu de D. Miguel o título de Barão de Picoas e, já depois do triunfo dos liberais na Guerra Civil, foi agraciado com o título de Visconde, em 19 de Outubro de 183580. A Guerra Civil e a instabilidade política parecem não o ter afectado, o que demonstra uma base financeira sólida. Em vez de depender das boas graças dos governos, como acontecia com Francisco Joaquim de Campos, eram os governos que necessitavam dele e dos seus empréstimos. Morreu com 73 anos, no dia 1 de Março de 1837, solteiro e sem filhos. O novo proprietário optou por não residir na Casa das Varandas. Este prédio era apenas mais um do seu vasto património imobiliário. Contudo, terá sido ele a mandar colocar um brasão 79 80 Cf. Idem, Op. Cit., p. 84. Cf. “PICOAS, Visconde e Barão das”, in AA. VV., Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXI, pp. 593. 10 de Novembro de 2005 61 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões de armas sobre o medalhão com as iniciais F.J.C. O seu brasão acabou por ser retirado quando mudou o proprietário. O piso nobre e as sobrelojas foram então arrendados a Francisco Aureliano Aguirre (1831 e 1832) e a D. Maria do Carmo (1833 e 1834) por 240.000 réis e 300.000 réis respectivamente. Contudo, a Guerra Civil acabaria por trazer consequências. A burguesia retraiu-se nos seus gastos e já não procurava tanto os apartamentos da Praça da Alegria. O 2º andar, que chegou a ser arrendado por 312.000 réis em 1817, não passava agora dos 180.000 réis. Ainda assim, a Casa das Varandas continuava a representar uma importante fonte de rendimento para o seu proprietário. Em 1834, o último ano que se encontra documentado nos Livros da Décima da Cidade, o prédio rendeu 720.600 réis líquidos81. 9.3 A Família Costa e Silva As informações sobre a Casa das Varandas cessam entre 1834 e 1885. Contribui para este facto a actual desorganização dos arquivos contemporâneos do Estado. Com a morte sem descendência do Barão de Picoas em 1837, o prédio mudou certamente de proprietário. Em Agosto de 1885, o proprietário do imóvel era D. Margarida Helena de Almeida e Costa82. Esta senhora era casada com Francisco Joaquim da Costa e Silva e tinham dois filhos António e Manuel, vivendo toda a família na Casa das Varandas. O patriarca era, em 1898, o director-geral do Ultramar numa época em que Portugal tentava afirmar o seu poder em Angola e Moçambique em acesa disputa com a Inglaterra. Em 27 de Setembro de 1898, o prédio passou para o filho mais velho, António Máximo de Almeida Costa e Silva, como parte da partilha dos bens de sua mãe83. Logo no mesmo dia, António colocou o prédio sob hipoteca como garantia de 2.900.000 réis que pediu emprestados a Júlio Roque Pereira Merelo, agente de leilões84. A 29 de Dezembro desse ano, o credor emprestou mais 1.000.000 réis, ficando com o prédio em garantia85. Em Abril de 1899, o proprietário pediu mais 7.000.000 réis à Companhia Geral do Crédito Predial Português dando a Casa das Varandas como garantia86. António Máximo de Almeida Costa e Silva e sua mulher, Maria Josefa de Melo Costa, não residiam na Casa das Varandas, 81 Cf. AHTC, Livros da Décima da Cidade, Freguesia de São José, Maço 572, Livro de Arruamentos de 1834, fls. 132 e 132v. 82 Cf. A1CRPL, G6, fl. 118, n.º 3687. 83 Cf. A1CRPL, G13, fl. 195, n.º 9100. 84 Cf. A1CRPL, C18, fl. 97, n.º 5446. 85 Cf. A1CRPL, C18, fl. 116v, n.º 5511. 86 Cf. A1CRPL, C18, fl. 135v, n.º 5575. 62 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria optando por viver em Cascais. Em Agosto, a dívida a Júlio Roque Pereira Merelo já ia nos 7.000.000 réis87. Em Agosto de 1900, José Martinho Charneca juntou-se aos credores por ter emprestado 10.500.000 réis. Fig 31 A Casa das Varandas no início do século XX. AFCML, A 14337 A consequência imediata destes sucessivos empréstimos acabaria por ser a perda do prédio. A 16 de Novembro de 1900, a Casa das Varandas foi penhorada, por Júlio Roque Pereira Merelo, para pagamento de 6.050.000 réis mais juro88. A 24 de Dezembro de 1903, o prédio foi novamente penhorado, desta vez pela Fazenda Nacional para o pagamento de 808.584 réis89. A 16 de Março de 1904 é feita nova penhora sobre o prédio pela Companhia Geral de Crédito Predial Português que era credora de António Máximo de Almeida Costa e Silva, em 8.487.470 réis90. Em 29 de Março de 1905 juntou-se aos credores José Carlos de Faria Lima que tinha a haver 34.375 réis de cinco anos de foro que não era pago91. Cf. A1CRPL, C18, fl. 158v, n.º 5656. Cf. A1CRPL, F8, fl. 43, n.º 3321. 89 Cf. A1CRPL, F8, fl. 181v, n.º 3641. 90 Cf. A1CRPL, F8, fl. 195v, n.º 3666. 91 Cf. A1CRPL, F9, fl. 34v, n.º 3777. 87 88 10 de Novembro de 2005 63 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Para evitar uma venda em hasta pública, António Máximo de Almeida Costa e Silva , que entretanto se separara da mulher, vendeu o prédio da Praça da Alegria a David da Rocha Peixoto por 23.000.000 réis, em Junho de 1905. Este novo proprietário era, na altura, o inquilino do 2º andar da Casa das Varandas92. Meses depois, em Agosto de 1905, David da Rocha Peixoto comprou por 2.451.500 réis o “domínio directo de foro” a José Carlos Faria Lima, ficando assim o prédio livre do encargo anual que tinha para com privados desde a sua construção93. 9.4 A Família Peixoto David da Rocha Peixoto era comerciante em Lisboa e casado em regime de comunhão geral de bens com a sua mulher D. Gertrudes da Assunção Pinheiro Martins Peixoto. Esta senhora nasceu no dia 21 de Janeiro de 1832 na Freguesia de Vialonga, Concelho de Vila Franca de Xira. Era filha de Manuel Pinheiro e de Catarina de Sena94. No seu testamento, feito a 7 de Setembro de 1905, dias depois da aquisição do prédio da Casa das Varandas, nomeou como universal herdeiro de todos os seus bens móveis e imóveis o seu marido95. Foi este casal que transformou a água furtada em 4º andar pleno, desvirtuando assim o projecto de Mazzoneschi. A 4 de Março de 1913, o projecto foi apresentado na Câmara Municipal de Lisboa96. Os alçados mostram que entre a água furtada e os pináculos que rematam os cunhais existiam duas colunas em pedra meramente decorativas. O projecto previa a sua preservação, tal como a colocação de molduras em pedra idênticas às existentes, porém, nada disto foi concretizado. As colunas decorativas foram extraídas, as janelas apresentam molduras rectas e simples que destoam do resto do conjunto, denunciando que são um acrescento. Também estava prevista a introdução de um gradeamento decorativo sobre a nova cimalha e que também não foi cumprido. A água furtada original tinha uma planta em cruz latina e passou a ter um pé direito e uma área coberta semelhante a qualquer outro andar, o que foi conseguido com o alteamento do telhado e com modificações também nos alçados laterais. O objectivo era claramente aumentar a área de forma a melhorar as condições de habitabilidade para dividir a água-furtada em dois apartamentos, subindo assim o potencial de renda. Cf. A1CRPL, G18, fl. 111v, n.º 13326. Cf. A1CRPL, G18, fl. 142v n.º 13462. 94 Cf. IAN/TT, Registos Paroquiais, Distrito de Lisboa, Concelho de Vila Franca de Xira, Freguesia de Vialonga, Livro 8 de Baptismos, fl. 104. 95 Cf. IAN/TT, Registo Geral de Testamentos, Livro 259, fls. 14v a 19, 2º Bairro de Lisboa, XV-U-76. 96 Cf. AICML, Arquivo de Obras, Obra n.º 7191, Processo n.º 1511/13. 92 93 64 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Fig 32 Projecto apresentado à Câmara Municipal de Lisboa em 1913 para transformar a água-furtada em 4º andar. A 29 de Março de 1913, o arquitecto designado pela Câmara Municipal de Lisboa aprovou o projecto de David da Rocha Peixoto com a condição do proprietário introduzir um sistema de esgotos, colocar uma escada de ferro para serviço da chaminé e outra de lanços ou de caracol, ligando todos os pavimentos até ao rés-do-chão, colocar o dito resguardo de ferro exercendo as funções de platibanda sobre a cimalha da fachada e não aproveitar os sótãos. A obra avançou pois sob a direcção técnica do construtor civil Manuel da Graça. O incumprimento do projecto e das determinações do arquitecto camarário não se ficou pela supressão das colunas, do resguardo de ferro e das molduras decoradas. A 28 de Julho de 1913, poucos meses depois da aprovação do projecto, David da Rocha Peixoto apresentou à Câmara uma proposta de alterações que implicava o aproveitamento do sótão e a transferência de uma das casas de banho para as traseiras do prédio, aumentado assim a área útil coberta, de forma a especular o valor da renda97. Este mesmo objectivo esteve presente num novo projecto apresentado à edilidade, em 31 de Março de 1914. Neste, o proprietário solicitou rebaixar a cota do terreno do quintal das traseiras (que estava ao nível do 1º andar), de forma a colocá-lo ao nível da loja, aumentando assim a sua área. Pretendia também abrir janelas de iluminação na loja e construir um pavimento em 97 Cf. Ibidem, Processo n.º 5232/13. 10 de Novembro de 2005 65 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões abobadilha de tijolo, que seria o tecto da mesma, de forma a manter o quintal do 1º andar com ligação às traseiras. Nas lojas seriam também construídas casas de banho98. Todas estas obras destinavam-se a melhorar as condições das lojas (área coberta, iluminação e higiene), de forma a poder aumentar o valor do arrendamento. A mulher de David da Rocha Peixoto faleceu no dia 6 de Junho de 1914 e, no dia 8 de Abril de 1915, a Casa das Varandas passou na totalidade para este indivíduo99. O falecimento da octagenária não prejudicou as campanhas de melhoramento especulativo do prédio. Dez dias depois, a 16 de Junho de 1914, David da Rocha Peixoto dá entrada na Autarquia de um projecto de construção de uma arrecadação sobre a entrada das traseiras do prédio que dá para a Rua de Santo António da Glória, n.º 78100. Este corpo de mau nível estético ainda hoje existe, encavalitado sobre os diversos acrescentos que o edifício sofreu neste local. A 20 de Janeiro de 1917, David da Rocha Peixoto casou-se em Ponte da Barca com D. Ana Júlia dos Santos Peixoto, com quem viria a ter dois filhos: António e David. O casal vivia no prédio da Praça da Alegria, no rés-do-chão, deixando os andares superiores, mais valiosos, para o arrendamento. A 1 de Julho de 1918, Manuel Geraldes Leitão arrendou o 1º andar por dez anos, com uma renda mensal de 35$00101. O senhorio não tinha forma de saber, mas este arrendamento revelar-se-ia desastroso devido à grande inflação que se sentiu após o fim da primeira Guerra Mundial. A libra de ouro, moeda de padrão da época, valorizou-se de 4$50 para 94$77, ou seja, se em 1918 uma renda mensal correspondia a quase 8 libras de ouro, no final do contrato, valia perto de um terço da mesma libra. Por esta razão, a família de David da Rocha Peixoto deve ter sofrido adversidades financeiras, apesar de ser detentora de um prédio totalmente arrendado. A 27 de Setembro de 1931, os proprietários solicitaram à Câmara Municipal autorização para adiar por um ano a limpeza e arranjo da fachada. Tal operação estética havia sido imposta por uma vistoria camarária que detectou falhas no reboco e enegrecimento nas cantarias102. Esta obra só se iniciou em Junho de 1932, tendo o prédio sido pintado de vermelho escuro. Cf. Ibidem, Processo n.º 2442/14. Cf. A7CRPL, G 6, fl. 68v, n.º 3849. 100 Cf. AICML; Arquivo de Obras, Obra n.º 7191, Processo n.º 4644/14. 101 Cf. A7CRPL, F 2, fl. 10v, n.º 536. 102 Cf. AICML, Arquivo de Obras, Obra n.º 7191, processo n.º 4253/31. 98 99 66 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Fig 33 General Carmona e outros membros do governo condecoram os Bombeiros Voluntários da Ajuda estacionados na Praça da Alegria, 1930. Os moradores da Casa das Varandas assistem ao evento. AFCML, A 74729. A situação piorou em 1932, quando David da Rocha Peixoto faleceu. O prédio ficou inscrito a favor de D. Ana Júlia dos Santos Peixoto e de seus filhos, António Alves Peixoto, maior, estudante, e de David Rocha Peixoto, menor, estudante, ficando a viúva com 50% e os seus dois filhos com 25% cada103. Com o falecimento do patriarca e com os filhos ainda estudantes, a viúva passou dificuldades, necessitando de contrair diversos empréstimos e ficando o prédio como garantia aos credores. Como se não bastasse, existiam desavenças familiares. O filho maior, António, vendeu a um estranho, Júlio César de Resende, a sua quarta parte do prédio, em Junho de 1934104. Pouco depois, em Julho de 1935, D. Ana Júlia dos Santos Peixoto reuniu o dinheiro necessário e comprou esta quarta parte do imóvel que o seu filho havia vendido105. A Casa das Varandas acabou por ser vendia a Jorge de Oliveira Esteves. D. Ana Júlia vendeu a sua parte de 75%, em 6 de Setembro de 1935, por 220.000$00. O seu filho David só viria a ceder os seus 25% em 8 de Julho de 1938106 pelo preço de 73.300$00. Cf. A7CRPL, G 6, fl. 69v, n.º 3850. Cf. A7CRPL; G 7, fl. 186, n.º 5148. 105 Cf. A7CRPL, G 8, fl. 180, n.º 5777. 106 Cf. A7CRPL, G 11, fls. 24v e 25, n.º 7206 e 7207. 103 104 10 de Novembro de 2005 67 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões 9.5 A Família Oliveira Esteves Jorge de Oliveira Esteves era oficial da Armada da Classe de Administração Naval. Nasceu em 4 de Maio de 1899 e alistou-se a 16 de Outubro de 1918 como cadete, onde foi progredindo na carreira militar atingindo o posto de Capitão de Fragata. Era casado com D. Elisa de Oliveira Duarte Esteves, com quem residia na Av. 24 de Julho. Quando comprou o imóvel, Jorge de Oliveira Esteves era 2º tenente, posto que ocupava desde 1922107 e prestava serviço na Direcção dos Serviços de Electricidade e Comunicações desempenhando as funções de secretário-tesoureiro do Conselho Administrativo dos Postos Rádio-telegráficos Costeiros da Marinha108. A família Esteves mudou-se para o 3º andar deixando os dois primeiros (mais valiosos) destinados ao arrendamento. A estabilidade financeira readquirida após 1926 proporcionou que o arrendamento fosse novamente considerado um bom investimento. Esta família procedeu a diversas obras de restauro que foram citadas por Norberto de Araújo109, sendo que o seu objectivo era, mais uma vez, melhorar as condições do prédio de forma a poder aumentar a renda. Em Maio de 1935, não estando ainda formalizada a aquisição do imóvel, deu entrada na Câmara de Lisboa um projecto para introduzir uma casa de banho no 2º andar. Esta ficaria colocada nas traseiras do imóvel, sustentada por duas colunas de ferro sob projecto do construtor civil Pedro Nunes110. Este facto revela que David da Rocha Peixoto, em 1913, não cumpriu com a obrigatoriedade de instalar no prédio um sistema conveniente de esgotos. Os novos proprietários também não optaram por uma solução integral que abrangesse todo o imóvel. Construíam-se casas de banho à medida que os andares vagavam com soluções provisórias e pontuais. Em 1938, ocorreu neste prédio um processo que provocou um grande desconforto entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Direcção-geral da Indústria. A 24 de Fevereiro deste ano, a empresa “Sonoro Filme, Lda” apresentou um projecto para construir no pátio do 1º andar, dois cofres em betão armado para armazenamento de filmes. Nesta época, os filmes eram em película de nitrato, altamente inflamáveis e que por diversas vezes entravam em combustão Cf. Ministério da Marinha, Lista da Armada, 1962, pp. 254 e 255. Cf. AGM, Livros Mestres, Livro III de Administração Naval, p. 96 e Livro IV de Administração Naval, p. 16. 109 Cf. ARAÚJO, Norberto, Op. Cit., p. 29. 110 Cf. AICML, Arquivo de Obras, Obra n.º 7191, processo n.º 24789/35. 107 108 68 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria espontânea, provocando grandes incêndios. Jorge de Oliveira Esteves devia desconhecer este facto, pois arrendou o prédio onde vivia a esta empresa ignorando o perigo que trazia. A Câmara Municipal tratou do processo normalmente, tendo pedido um parecer ao Comando do Regimento dos Sapadores de Bombeiros de Lisboa que se pronunciou negativamente sobre a segurança do novo arrendamento. De facto, a legislação da época impedia que estes depósitos de película cinematográfica se situassem dentro de áreas urbanas, devendo ter uma zona non-edificandi de 50 metros111. Os bombeiros sabiam que o depósito da “Sonoro Filme, Lda” não cumpria a lei e era extremamente perigoso para a zona da Praça da Alegria, densamente povoada. Com base neste parecer, a Câmara Municipal indeferiu o processo a 26 de Março de 1938. Contudo, a Sonoro Filme não desistiu do seu objectivo. Em conjunto com as outras empresas do grupo, a agência cinematográfica Raul Lopes Freire e o laboratório Ulyssea Filme Lda, pressionaram a governo a interceder. A 14 de Abril de 1938, o Director-geral da Indústria enviou um ofício dizendo que o cofre de película cinematográfica havia sido aprovado por uma “comissão de peritos”, tendo deliberado que neste caso específico não se deveria cumprir a Lei. Esta conclusão despoletou muitas dúvidas à Câmara Municipal que manteve a sua posição. Pouco depois, a 27 de Abril, o Director-geral da Indústria enviou novo ofício classificado de “urgente” à Câmara Municipal. Nele manifestava o seu desagrado por a autarquia estar a embargar a obra e a passar multas à Sonoro Filmes e dizia claramente que a autarquia devia aprovar o projecto, pois a sua aprovação técnica dependia exclusivamente à Direcção-geral da Indústria, cabendo à Câmara apenas a aprovação estética. A discussão estava a subir de tom. Os interesses particulares sobrepunham-se à Lei e ao interesse público. A população desconhecia totalmente o perigo que se instalara na sua vizinhança. A Câmara não iria enfrentar o Governo, tanto mais que com os jornais comprometidos, o mais certo era a questão não sair das secretarias públicas. A autarquia começou então a tomar as medidas necessárias à aprovação do projecto. Começou por solicitar (oficiosamente) ao Comando dos Bombeiros que alterassem o seu parecer. Numa atitude louvável, se atendermos à época em que se vivia, o Regimento dos Bombeiros Sapadores de Lisboa reafirmou, a 6 de Junho, o perigo que este cofre representava para a população. Segundo um novo parecer, diz-se que a dita “comissão de peritos” era incompetente e que a Câmara deveria interceder para manter o respeito pela Lei e proteger a população. Os bombeiros mantiveram o seu parecer desfavorável afirmando que se desligavam da 111 Cf. Decreto n.º 23.840 de 12 de Maio de 1934 e Decreto n.º 25.743 de 14 de Agosto de 1935. 10 de Novembro de 2005 69 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões responsabilidade de qualquer tragédia que adviesse de um fogo provocado pelos cofres da Sonoro Filme. Esta posição irredutível foi contornada com um parecer datado de 21 de Junho do ouvidor Virgílio Saque. Segundo ele, uma vez que existia já um parecer favorável de uma “comissão de peritos”, na qual se supunha ter participado um bombeiro, não seria necessário pedir novo parecer ao Comando de Bombeiros Sapadores. A 5 de Julho, o despacho de indeferimento do processo foi anulado e dado um novo despacho favorável, violando-se assim a lei da época e colocando em perigo a população. Como esta situação provocou um grande desconforto institucional, a Câmara Municipal solicitou à Direcção-geral da Indústria que se mudasse a lei para que situação semelhante não voltasse a ocorrer. Verifica-se portanto a promiscuidade entre poder legislativo, executivo e local. O Governo era absoluto submetendo-se à sua vontade os restantes poderes. O problema residia no facto do governo ser permeável a interesses particulares de empresas. A protecção dos interesses da Sonoro Filme assentava na política do Estado Novo de protecção ao cinema, utilizando-o como meio de propaganda dos ideais do regime, tal como faziam os regimes totalitários da Alemanha e da Itália. Salazar não apreciava cinema, mas reconhecia nele um importante veículo de “informação” e de “formação”. Será António Ferro, Director do Secretariado de Propaganda Nacional, o responsável pelo incentivo do cinema para servir o Estado Novo112. Em Maio de 1939, Jorge de Oliveira Esteves encarregou o empreiteiro Adelino Pereira Chagas de pintar o exterior da Casa das Varandas. Desta vez, a cor escolhida foi o amarelo. Nesta obra também foi instalado um sistema de algerozes, que acabaria por ficar mal feito provando uma queixa de um vizinho à Câmara Municipal de Lisboa, em 1940. Na década de 40, foram feitas diversas obras de manutenção: substituição de cobertura da marquise, pintura da conduta de fumo da caldeira de aquecimento e alteração de um pavimento no 3º andar para a instalação de uma nova casa de banho113, substituição de rebocos, limpezas, pinturas e reparações de canalizações e esgotos. A 12 de Agosto de 1952, a sua esposa faleceu e o prédio ficou sendo propriedade de Jorge de Oliveira Esteves e das suas duas filhas, Maria do Carmo e Maria Isabel, solteiras mas já maiores. 112 113 70 Cf. TORGAL, Luís Reis (Coord.), O Cinema sob o olhar de Salazar, 2000, p. 67. Cf. AICML, Arquivo de Obras, Obra n.º 7191, processo n.º 15774/42. 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Pouco depois, no dia 1 de Julho de 1955, o Capitão-de-fragata Jorge de Oliveira Esteves reformou-se da Marinha. Em 1956 e em 1960, cada uma das filhas se casou em regime de separação de bens. A 11 de Julho de 1956, a Sonoro Filme quis fazer uma modificação na fachada do edifício que dava para a Rua de Santo António da Glória, n.º 78, transformando esta na entrada principal da empresa. Pretendia-se construir um balcão de atendimento voltado para a rua e diversos anexos no antigo quintal do 1º andar114. Apesar de ter apresentado um projecto à edilidade, a Sonoro Filme acabou por não o cumprir, tendo uma vistoria da Câmara Municipal detectado obras clandestinas, em Abril de 1958, que pretendiam fechar todo o quintal com telheiros. A Sonoro Filme ainda tentou legalizar a obra com a entrega de um novo projecto, mas a Câmara intimou o proprietário a demoli-las. Em Setembro de 1959, Jorge de Oliveira Esteves informou a Câmara que a Sonoro Filme o impediu de cumprir a ordem municipal, pedindo esclarecimentos uma vez que não queria vir a ser prejudicado. A 6 de Junho de 1960 dão entrada na Câmara novos documentos com vista à legalização da obra da Sonoro Filme, tendo a edilidade procedido a nova vistoria a 21 de Julho. Entretanto, começam a ocorrer problemas com os inquilinos. A não actualização de rendas com mais de 30 anos levou os senhorios a não fazerem obras nos apartamentos, esperando assim que os inquilinos abandonassem o andar. A 27 de Fevereiro de 1969, o Engenheiro Artur Varela Cid interpôs à Câmara uma queixa pedindo que se lhe reparassem os sanitários. Em 1970, a Câmara Municipal intimou os proprietários a repararem os estragos que umas infiltrações tinham provocado. Neste ano, a “Sonoro Filme” empreendeu novamente obras clandestinas. Jorge de Oliveira Esteves escreveu à Câmara a perguntar o que deveria fazer. A 11 de Fevereiro de 1971, o proprietário apresentou à Câmara um projecto com vista à legalização das obras feitas pela Sonoro Filme, entretanto absorvida pela “Sociedade de Distribuição de Filmes Lusomundo”. As sucessivas obras clandestinas ou de má qualidade nas lojas e no pátio do primeiro piso desvirtuaram o alçado posterior da Casa das Varandas, tornando esta área uma amálgama de campanhas de difícil interpretação e nenhum valor arquitectónico. As filhas de Jorge de Oliveira Esteves acabaram por adquirir a totalidade do prédio, em Março de 1974, porque requereram a partilha total dos bens de sua mãe115. A 6 de Junho de 1985, Jorge de Oliveira Esteves faleceu. Existiam problemas judiciais com os inquilinos, pelo que o arrendamento a privados deixou de ser um investimento atractivo para a 114 115 Cf. Ibidem, processo n.º 38.652/57 Cf. A7CRPL, G 36, fl. 105, n.º 22283 10 de Novembro de 2005 71 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões família116. A lei de arrendamento que saiu da Revolução de 1974 era bastante nefasta aos proprietários. Assim, as duas irmãs optaram por arrendar os andares que ficassem vagos à Lusomundo, acabando por vender a esta empresa a totalidade do prédio da Praça da Alegria em 1989. 9.6 As empresas privadas A Casa das Varandas foi projectada e construída para ser um prédio de rendimento para habitação. Nesta função permaneceu desde 1808 até, praticamente, ao nosso tempo. Contudo, diversos factores de natureza política, social e económica transformaram esta actividade num investimento pouco atractivo. A falta de protecção do proprietário face ao inquilino incumpridor é o principal motivo que ainda hoje impede o mercado do arrendamento. Por outro lado, a sua localização privilegiada na Praça da Alegria, junto ao centro financeiro da cidade, bem como a grande área útil de cada apartamento e até o perfil aristocrático da fachada atribuem ao edifício características que o tornam atractivo para ser a sede de qualquer empresa de serviços. Assim, a Casa das Varandas evoluiu e adaptou-se à sua nova função. A Lusomundo foi constituída em 1953, sob a forma de uma sociedade de quotas. A sua sede era na Rua de São Julião até 1968, quando esta empresa absorveu a “Sonoro Filme” e se mudou para o 1º andar da Casa das Varandas. Devido à falta de inquilinos com capacidade financeira para arrendar os andares que iam ficando vagos, as senhorias arrendavam-nos à Lusomundo. Em primeiro lugar foi o rés-do-chão esquerdo, onde passou a funcionar a Programação e, depois, o rés-do-chão direito onde foi instalada a secção de vídeo. A Lusomundo tinha interesse em instalar em todo o prédio os seus serviços, acabando por haver um compromisso informal com as senhorias segundo o qual elas arrendariam à empresa todas as fracções que fossem vagando. A boa relação entre ambas as partes favoreceu o acordo. Em 1989, as irmãs Oliveira Esteves chegaram a acordo para vender à Lusomundo todo o prédio, onde ainda habitavam dois inquilinos que foram indemnizados pela empresa para saírem. A compra efectuou-se em 22 de Dezembro de 1989 e foi registada na Conservatória do Registo Predial, em 18 de Janeiro do ano seguinte. A proprietária do prédio passou a ser a “Lusomundo Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário”, uma empresa do grupo Lusomundo que foi constituída em 1988 para gerir o seu património imobiliário. 116 72 Cf. A7CRPL, F 12, fl. 198v, n.º 5422. 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria A Casa das Varandas deixou assim de ser um prédio de habitação para passar a ser um prédio de comércio. Esta evolução resultava do facto do prédio se ter supervalorizado devido à sua implantação no centro financeiro da capital e às grandes áreas úteis dos apartamentos. A renda mensal de cada apartamento era de tal forma elevada que impossibilitava qualquer particular de o arrendar. Mas esta evolução lógica carecia de uma autorização prévia da Câmara Municipal, a qual não foi pedida atempadamente, facto que despoletou um despacho datado de 11 de Abril de 1991 impedindo a instalação plena da Lusomundo no local. A empresa apresentou as suas desculpas a 2 de Maio de 1991 e corrigiu a situação colaborando com a Câmara Municipal na obtenção dos requisitos necessários à mudança de funções, havendo por ambas as partes um cuidado pela preservação do imóvel. Uma das acções empreendidas foi a autorização pela Administração da Lusomundo de uma vistoria de técnicos camarários que foram apreciar não só os frescos existentes nos salões que dão para a Praça da Alegria, como a própria entrada do prédio onde começam as escadas onde existem três colunas esculpidas que consideramos obras de arte e os azulejos que ladeiam a escada e se estendem até ao 4º andar, assim como os azulejos que há nos interiores em todos os andares, com o objectivo da Lusomundo receber as preciosas recomendações que tais entidades poderão dar para a protecção desse património117. Felizmente, houve por parte da empresa uma sincera vontade de conservar o imóvel e o seu recheio artístico. Uma prova desta atitude foi o restauro que, por iniciativa da Lusomundo e sem qualquer apoio ou imposição estatal, foi feito no salão nobre do 2º andar. Este restauro foi encomendado à secção de pintura decorativa do Instituto de Artes e Ofícios da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva e executado no ano de 1990, sob a direcção técnica de Júlio Brás118. A Lusomundo solicitou então que o processo de mudança de funções fosse reapreciado, tendo em conta o facto que a Casa das Varandas estava incluída no “Estudo morfológico de Regulamento da Avenida da Liberdade”, elaborado em Março de 1973 e aprovado pela autarquia em Fevereiro de 1974 e que regulamentava toda aquela zona. Foram emitidos diversos pareceres por técnicos da Câmara Municipal que aprovavam a transferência de funções da Casa das Varandas de “habitação” para “comércio” pois referiam que havendo a vontade da autarquia em transformar o “Parque Mayer” num pólo de artes 117 118 AICML, Arquivo de Obras, Obra n.º 7191, Ofício de 2 de Maio de 1991. Cf. BARREIROS, Helena, Op. Cit. p. 9. 10 de Novembro de 2005 73 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões vocacionado para o cinema e para o teatro, seria de todo o interesse que a Lusomundo se sediasse nas suas imediações. O Departamento de Património Cultural vistoriou a Casa das Varandas a 24 de Fevereiro de 1992, tendo verificado o valor de todos os elementos notáveis: pintura mural, elementos escultóricos da portaria e azulejos. Esta vistoria originou que a historiadora Helena Barreiros, na época técnica da Direcção de Projecto de Planeamento Estratégico da autarquia, publicasse no caderno de Domingo do Diário de Notícias, em 16 de Agosto de 1992, um artigo em que apresentava à comunidade, pela primeira vez, a Casa das Varandas, a sua história e o seu valor patrimonial. Face aos pareceres positivos dos diversos sectores técnicos da autarquia, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa à época, Jorge Sampaio, deferiu em 4 de Agosto de 1992 o pedido da Lusomundo, permitindo a transferência de função e dando início ao processo de adaptação do prédio a sede daquela empresa. O projecto “Remodelação da Sede da Lusomundo”, de autoria do Arquitecto Pedro Carmo Meirelles em Janeiro de 1993, deu entrada na autarquia no mês seguinte. Contudo, a licença só seria passada a 20 de Outubro devido à falta de diversos elementos técnicos e burocráticos. A principal obra para a adaptação da Casa das Varandas em sede da Lusomundo consistia na introdução de um elevador. O projectista e a administração da Lusomundo revelaram uma grande sensibilidade ao colocarem o elevador numa caixa de metal externa à estrutura original do prédio, no antigo saguão das traseiras. A solução mais prática teria sido colocá-lo na divisão de arrumos, no centro do edifício, junto às escadas de serviço, mas esta opção iria desvirtuar a Casa das Varandas, obrigando a interferir nos pavimentos dos diversos andares. Esta obra, pelo contrário, é totalmente reversível, pois apenas implicou a conversão de algumas janelas em portas de elevador. O facto de incidir nas traseiras do imóvel também minimizou os estragos na imagem do prédio, pois este local já se encontrava muito desvirtualizado com as obras do início do século XX. A Lusomundo passou no final da década de noventa por diversas cisões e fusões, acabando por ser absorvida pela “Portugal Telecom” num processo que ainda hoje decorre. A Casa das Varandas acabou por ser dada em pagamento de uma dívida ao Estado, a 16 de Novembro de 1998. A 4 de Março de 2002, a Fazenda Nacional vendeu em hasta pública o imóvel. Actualmente, a Casa das Varandas é o edifício-sede da “Sagres, Companhia de Seguros, S A”. 74 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Esta seguradora surgiu da aquisição, em Dezembro de 2001, de 51% do capital social da “Euresap, Euresa Portugal, Companhia de Seguros, SA” (seguradora que iniciou a sua actividade em 1997) pela “Partisagres, SGPS”, holding detida maioritariamente pela Fundação Oriente. A Sagres Seguros pretende oferecer ao mercado um conjunto de serviços junto de entidades da economia social, designadamente misericórdias, organizações mutualistas, associativas, cooperativas, sindicatos, de solidariedade social e autarquias. Consciente do valor artístico e do passado histórico da Casa das Varandas, a Sagres Seguros tem vindo a empreender diversas acções que visam promover o conhecimento e a preservação deste edifício, incluindo-se aqui o restauro de uma sala pintada descoberta recentemente, bem como a iniciativa da execução e publicação da presente monografia. 10. Conclusão A Praça da Alegria é um dos poucos testemunhos sobreviventes do sonho de Pombal: expandir a cidade de Lisboa de forma racional, ordeira, ortogonal e planeada, transformando-a assim numa das mais belas capitais do Mundo. A queda do ministro levou ao fim deste sonho. A cidade cresceu ao sabor de interesses particulares e da iniciativa de uma burguesia que despontou com o fim da tutela do Estado. A nível arquitectónico, observou-se um fenómeno semelhante. Os desenhos pombalinos são abandonados e por toda a cidade nascem palácios numa celebração da liberdade arquitectónica recuperada. Neste ambiente de frenesim anti-pombalino, surgiram também prédios de rendimento que muito ultrapassam os dois andares regulamentares do plano pombalino. A Casa das Varandas é, talvez, o melhor exemplo deste universo: quatro andares, muito decorada, numa implantação e concepção arquitectónica puramente cénica. O seu projecto não era contudo fútil ou despreocupado. A liberdade das formas escondia um plano financeiro muito bem montado: a construção de vários apartamentos de luxo, uns sobre os outros, destinados a receber burgueses e diplomatas. Com esta função de arrendamento de qualidade permaneceu a Casa das Varandas durante quase duzentos anos, passando pela sua lista de inquilinos médicos notáveis, membros do governo e até empresas que fizeram a história do cinema em Portugal. Nas suas paredes escreveu-se também a história das perseguições políticas de D. Miguel e do triunfo do capitalismo, no século XIX. Hoje demarca-se pela preservação dos seus conjuntos pintados de raro valor estético e pela beleza da sua fachada. 10 de Novembro de 2005 75 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria é pois um testemunho singular no plano artístico de Oitocentos na história da cidade de Lisboa que importa conhecer, divulgar e valorizar. 76 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria FONTES MANUSCRITAS IAN/TT - Instituto dos Arquivo Nacionais / Torre do Tombo Chancelarias Régias Carta de confirmação de doação de trinta mil cruzados dispondo o lapso de tempo que António Esteves Costa fez a José Pinto de Barros para casar com sua irmã, Maria Angélica, 28 de Setembro de 1809, Chancelaria de D. João VI, Livro 11, fl. 300. Carta a Francisco Joaquim de Campos de compra dos bens pertencentes à Capela instituída por Maria Vicente na vila de Alverca, 24 de Julho de 1820, Chancelaria de D. João VI, Livro 29, fl. 113v. Carta do título de conselheiro a António Esteves da Costa, 29 de Outubro de 1827. Chancelaria de D. Pedro IV, Livro 6, fl. 207. Carta do título de Visconde de Picoas ao Conselheiro António Esteves da Costa, 14 de Outubro de 1835, Chancelaria de D. Maria II, Livro 5, fl. 46v. Mesa da Consciência e Ordens / Habilitações da Ordem de Cristo Habilitação de Francisco Joaquim de Campos, 26 de Janeiro de 1803, Letra F, Maço 25, n.º 100. Inspecção dos Bairros ALVES, Casimiro, contra o beneficiado Alexandre José e um seu irmão Milquíades Manuel da Silveira Lobo, Auto de petição para embargo de umas obras junto a uma propriedade que o autor está construindo na Praça da Alegria, enquanto se não pagar a meio uma parede comum, 1775, Andaluz, Maço 2, n.º 9. ANTUNES, João Paulo, contra Perpétua Rosa, viúva, auto de embargo da abertura de umas janelas para o quintal e telhado de uma propriedade do autor situado na Rua Nova da Alegria, 1819, Andaluz, Maço 5, n.º 1. CAMPOS, Francisco Joaquim de, Autos de Vistoria a uma propriedade situada na Rua Nova dos Sapateiros (Rua do Arco do Bandeira) de que é senhorio Francisco Joaquim de Campos. 1827. Rossio, Maço 15, N.º 41. COSTA, Joaquim da, contra Nicolau Velozo, Auto de petição e embargo à construção de um forno confinante com a propriedade do autor situada na Praça da Alegria, n.º 37, 1825, Andaluz, Maço 4, n.º 15. DUARTE, António José, Auto de petição para a arrematação de um terreno situado na Rua Ocidental do Passeio Público e Praça da Alegria, onde se encontravam umas barracas, 1828, Bairros Diversos, Maço 2, São José – n.º 1. FARIA, Francisco José de, contra Domingos José dos Santos, Execução de sentença sobre a construção de uma propriedade confinante com outra do réu, situada na Rua da Alegria e Travessa de Santo António, 1784, Andaluz, Maço 3, n.º 15. FERREIRA, António, Auto de Vistoria e exame a uma barraca situada na Praça do Chafariz da Alegria de que é senhorio, 1818, Andaluz, Maço 7, n.º 11A. FRANCISCO, Manuel, Auto de vistoria e exame a uma barraca situada na Praça da Alegria de que é proprietário, 1827, Andaluz, Maço 6, n.º 13. 10 de Novembro de 2005 77 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões GONÇALVES, Francisco de Paula José, Auto de participação sobre o estado de uma propriedade e construção situada na Rua do Salitre n.º 1ª a 1B com frente para a Praça da Alegria de que é senhorio, 1829, Andaluz, Maço 3, n.º 20. HENRIQUES, José, Auto de vistoria e exame a uma barracas situadas na Praça da Alegria de que é senhorio, 1818, Andaluz, Maço 7, n.º 11E. JOSÉ, Maria, viúva, Auto de vistoria e exame a uma barraca de madeira situada na Praça do Chafariz da Alegria de que é senhoria, 1827, Andaluz, Maço 7, n.º 8. LIMA MIRANDA, D.ª Caetana de, viúva de José Elias de Miranda, Auto de vistoria e exame a uma barraca na Praça da Alegria, de que é senhoria, 1818, Andaluz, Maço 7, n.º 11F. LUIZ, Francisco, contra D.ª Luísa Inácia Reboredo, viúva de João Caetano da Silva, Carta precatória para entrega de determinada quantia em dívida, recaindo sobre uma propriedade na Praça da Alegria, 1777, Andaluz, Maço 3, n.º 18. MORADORES DA PRAÇA DA ALEGRIA, Alguns, Auto de petição sobre o entulho existente na Praça do Chafariz da Alegria, proveniente de um prédio incendiado pertencente a D.ª Ana Bernardina de São José e Araújo de que era inquilino José Manuel Alves, 1830. Andaluz, Maço 1, n.º 2. NUNES COLARES, Padre Cipriano, Auto de petição para a entrega de determinada quantia proveniente da arrematação de um terreno na Praça da Alegria por Custódio Vieira da Cruz, 1774, Andaluz, Maço 2, n.º 11. OLIVEIRA, António, Auto de vistoria e exame a uma barraca situada na Praça do Chafariz da Alegria, de que é senhorio, 1818, Andaluz, Maço 7, n.º 11D. PENCA, António, Auto de vistoria e exame a uma barraca situada na Praça do Chafariz da Alegria de que é senhorio, 1818, Andaluz, Maço 7, n.º 11C. PENHA, Narcisa Maria da, Autos de participação sobre o estado de ruína em que se encontra um pardieiro situado na Rua Nova da Alegria, entre os n.ºs 38 e 41, de que é senhoria, 1830, Andaluz, maço 7, n.º 24. Idem, Auto de vistoria e exame a um pardieiro situado na Rua Nova da Alegria, de que é senhoria, 1818, Andaluz, Maço 7, n.º 25. PEREIRA DA CÂMARA GOULÃO, Manuel Pedro, Auto de participação sobre o estado de ruínaem que se encontram umas barracas situadas na Praça da Alegria de que é senhorio, 1830, Bairros Diversos, Maço 2, São José – n.º 10. PIEDADE, Mariana Rita da, Execução de sentença sobre uma barraca situada na Praça da Alegria, n.º 3 e 4, tornejando para a Rua da Conceição de Baixo, n.º 62 e 63, de que é senhoria, 1830, Andaluz, Maço 7, n.º 19. SILVA E SOUSA, D.ª Maria Úrsula Genoveva da, e D.ª Rita Gerardo da Silva e Sousa, Auto de petição e justificação para o pagamento de quatro prazos foreiros à Misericórdia de Lisboa, Hospital de S. Lázaro, e Igrejas de Santa Marinha e São Bartolomeu situados na Palmeira da Anunciada, hoje Praça da Alegria, incluídos no Passeio Público e isto por herança de sua mãe D.ª Teresa Maria Micaela, 1793, Andaluz, Maço 7, n.º 12. Idem, Ibidem, Andaluz, Maço 7, n.º 13. SOARES, Paulo José, contra Marta Maria da Conceição, Auto de petição para a arrematação de uns pardieiros situados na Calçada que vai da Praça da Alegria para a Rua Direita do Colégio dos Nobres, 1802, Andaluz, Maço 7, n.º 27. 78 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria TEIXEIRA, Maria Rosa, Francisco Ferreira de Melo, Tiago Gonçalves, José da Nova, José Vasques, Luís Ferreira da Silva e Maria José. Auto de vistoria e exame a umas casas situadas na Praça do Chafariz da Alegria pertencentes aos autores a pedido de José Vitorino da Costa, 1827, Andaluz, Maço 7, n.º 11. TEIXEIRA DE AGUIAR, João, por cabeça de sua mulher, D.ª Josefa Severina de Almeirda, filha do Sargento-mor Carlos José Vieira da Silva, contra António Gomes Galvão, Auto de embargo a umas obras nuns terrenos aforados ao autor situados na Praça da Alegria, 1781, Andaluz, Maço 5, n.º 6. TORRES, António, Autos de Vistoria e exame a umas barracas sitadas na Praça da Alegria n.º 56ª a 56C de que é senhorio, 1818, Andaluz, Maço 7, n.º 11B. Processos Políticos do Reinado de D. Miguel Auto de sequestro dos bens de Francisco Joaquim de Campos, rendeiro do Morgado de Santa Iria, pertencente à Casa confiscada do Conde de Alba, ausente do reino por motivos políticos e de Carlos José de Campos, fiador do referido rendeiro, morador na Carreira dos Cavalos, e isto para pagamento de determinada quantia proveniente do segundo quartel de 1831, além das custas. P.P., Maço 23, N.º 13. Registo Geral de Testamentos Testamento de D. Gertrudes da Assunção Pinheiro Martins Peixoto, 7 e Setembro de 1905, Livro 259, 2º Bairro de Lisboa, XV-U-76, fls. 14v a 19. Registos Paroquiais Registo de Baptismo de Gertrudes, filha de Manuel Pinheiro e de Catarina de Sena, 8 de Fevereiro de 1832. Registos Paroquiais, Distrito de Lisboa, Concelho de Vila Franca de Xira, Freguesia de Vialonga, Livro 8 de Baptismos, fl. 104. Cartórios Notariais de Lisboa, Actual cartório 1, antigo cartório 12B, caixa 102, livro 838, fls. 53 a 53v. Actual cartório 9, antigo cartório 4, caixa 21, livro 102, fls. 43 a 44v. Actual cartório 7, antigo cartório 9B, livro 173, fls. 31 a 32v. AHTC - Arquivo Histórico do Tribunal de Contas Livros da Décima da Cidade, Freguesia de São José. Maço 561, Livro dos Arruamentos de 1805, fl. 118. Maço 562, Livro dos Arruamentos de 1806, fl. 161. Maço 562, Livro dos Arruamentos de 1807, fl. 127v. Maço 562, Livro dos Arruamentos de 1808, fl. 158v. Maço 563, Livro dos Arruamentos de 1809, fl. 130v. Maço 563, Livro dos Arruamentos de 1810, fl. 124v. Maço 563, Livro dos Arruamentos de 1811, fl. 119. Maço 564, Livro dos Arruamentos de 1812, fl. 165v. Maço 564, Livro dos Arruamentos de 1813, fl. 167. Maço 565, Livro dos Arruamentos de 1814, fl. 156v. 10 de Novembro de 2005 79 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões Maço 566, Livro dos Arruamentos de 1815, fl. 146v. Maço 566, Livro dos Arruamentos de 1817, fl. 173. Maço 566, Livro dos Arruamentos de 1818, fl. 159. Maço 566, Livro dos Arruamentos de 1819, fl. 154v. Maço 567, Livro dos Arruamentos de 1820, fl. 150v. Maço 567, Livro dos Arruamentos de 1821, fl. 180. Maço 568, Livro dos Arruamentos de 1823, fls. 165 e 165v. Maço 568, Livro dos Arruamentos de 1824, fl. 160v. Maço 569, Livro dos Arruamentos de 1825, fl. 137. Maço 569, Livro dos Arruamentos de 1826, fl. 151v. Maço 570, Livro dos Arruamentos de 1827, fls. 156 e 156v. Maço 570, Livro dos Arruamentos de 1828, fl. 179. Maço 570, Livro dos Arruamentos de 1829, fls. 177v a 178. Maço 571, Livro dos Arruamentos de 1830, fl. 186v. Maço 571, Livro dos Arruamentos de 1831, fls. 186v e 187. Maço 572, Livro dos Arruamentos de 1832, fls. 179 e 179v. Maço 573, Livro dos Arruamentos de 1833, fl. 175v. Maço 573, Livro dos Arruamentos de 1834, fls. 132 e 132v. AHCML - Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa Colecção de Editais do Senado dos Anos de 1756 a 1819. Colecção de Editais do Senado, anos de 1820 a 1823 Colecção de Providências Municipais da Câmara de Lisboa, tomo 1 Livro III de Contratos AICML - Arquivo Intermédio da Câmara Municipal de Lisboa Arquivo de Obras, Obra n.º 7191 – Prédio sito na Praça da Alegria n.º 21 a 23. AGM - Arquivo Geral de Marinha Livro III de Administração Naval, p. 96. Livro IV de Administração Naval, p. 16. A1CRPL - Arquivo da 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa Livro das Descrições Prediais n.º B 12, fl. 164v, n.º 1259. Livro das Descrições Prediais n.º B 17, fl. 31, n.º 2334. Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 18, fl. 97v, n.º 5446 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 18, fl. 116v, n.º 5511 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 18, fl. 135v, n.º 5575 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 18, fl. 153, n.º 5636 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 18, fl. 156v, n.º 5650 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 18, fl. 158v, n.º 5656 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 18, fl. 162v, n.º 5659 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 19, fl. 16v, n.º 5846 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 19, fl. 31, n.º 5889 Livro de Inscrições Diversas, n.º F 8, fl. 43, n.º 3321 Livro de Inscrições Diversas, n.º F 8, fl. 93, n.º 3434 Livro de Inscrições Diversas, n.º F 8, fl. 181v, n.º 3641 Livro de Inscrições Diversas, n.º F 8, fl. 195v, n.º 3666 80 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria Livro de Inscrições Diversas, n.º F 9, fl. 34v, n.º 3777 Livro de Inscrições Diversas, n.º F 9, fl. 35, n.º 3778 Livro de Inscrições Diversas, n.º F 11, fl. 162v, n.º 4948 Livro de Inscrições Diversas, n.º F 13, fl. 75v, n.º 5629 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 1, fl. 42, n.º 125 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 6, fl. 118, n.º 3687 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 13, fl. 195, n.º 9100 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 18, fl. 111v, n.º 13326 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 18, fl. 142v, n.º 13462 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 20, fl. 186v, n.º 15263 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 28, fl. 26v, n.º 20678 A7CRPL - Arquivo da 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa Ficha Informática: Freguesia de São José n.º 145 Livro das Descrições Prediais n.º B 8, fl. 27v, n.º 2250. Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 4, fl. 2v, n.º 1449 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 4, fl. 9v, n.º 1468 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 4, fl. 19v, n.º 1497 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 4, fl. 43, n.º 1564 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 4, fl. 76, n.º 1664 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 4, fl. 157, n.º 1861 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 5, fl. 17, n.º 2007 Livro de Registo de Hipotecas, n.º C 16, fl. 22v, n.º 7009 Livro de Inscrições Diversas, n.º F 2, fl. 10v, n.º 536 Livro de Inscrições Diversas, n.º F 12, fl. 198v, n.º 5422 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 6, fl. 68v, n.º 3849 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 6, fl. 69, n.º 3850 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 7, fl. 186, n.º 5148 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 8, fl. 180, n.º 5777 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 11, fl. 24v, n.º 7206 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 11, fl. 25, n.º 7207 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 19, fl. 136v, n.º 12623 Livro de Inscrições de Transmissão n.º G 36, fl. 105, n.º 22283 FONTES ICONOGRÁFICAS AFCML - Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa Gravura de aguarela representando a Praça da Alegria, A 4501 Gravura de aguarela representando a Praça da Alegria, A.7281 Comício Republicano na Praça da Alegria, A 8858 Comício Republicano na Praça da Alegria, A 9432 Praça da Alegria, A 14337 Inauguração do Busto de Alfredo Keil na Praça da Alegria, A 26890 Bombeiros Voluntários da Ajuda na Praça da Alegria, A 44090 Casa Pombalina na Praça da Alegria, A 56663 Casa das Varandas da Praça da Alegria, A 62948 Marechal Carmona condecorando os Bombeiros da Ajuda, A 74729 10 de Novembro de 2005 81 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões AHMOP - Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas Segundo projecto de urbanização da parte ocidental de Lisboa. Assinado por Eugénio dos Santos, Carlos Mardel, E. S. Poppe e A. C. Andreas, em 1756-1757. BPE - Biblioteca Pública de Évora Plano Geral da Cidade de Lisboa em 1785, gravada por Francisco D. Milcent (impressa), Cartas Geográficas, Gaveta 1, Pasta B, n.º4. GEO - Gabinete de Estudos Olissiponenses Fotografia do prédio cito na Praça da Alegria, n.º 22, FT 7996 (17104) IAN/TT - Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo Casa Forte, Manuscrito n.º 153 FONTES IMPRESSAS OLIVEIRA, Eduardo Freire, Elementos para a História do Município de Lisboa, 1ª Parte, tomo 1, Lisboa, Tipografia Universal, 1887. PORTUGAL, Fernando, e MATOS, Alfredo de, Lisboa em 1758, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1974. SANTANA, Francisco, Lisboa na 2ª metade do século XVIII, plantas e descrições das suas freguesias, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, s.d. VIEGAS, Inês Morais e TOJAL, Alexandre Arménio (Coord.), Atlas da Carta Topográfica de Lisboa sob a direcção de Filipe Folque: 1856-1858, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 2000. BIBLIOGRAFIA “A 4ª Esquadra e o Palácio Azul da Praça da Alegria” in Polícia Portuguesa: revista ilustrada, Lisboa, Vol. 5., n.º 49, Maio-Junho 1945, pp. 6 a 8. “Alva, Conde de” in AA. VV., Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. II, Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia Lda, s.d., p. 186. “Picoas, Visconde e Barão das” in AA. VV., Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXI, Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia Lda, s.d., p. 593. ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, Vol. 14, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1938. BALBI, Adrien, Essai Statistique sur le Royaume de Portugal et d’Algarve, Paris, Rey et Grevier Libraires, 1822. BARREIROS, Maria Helena, “Casa com Varandas”, in Diário de Notícias, Caderno 2 Domingo, Ano 128, n.º 45071, 16 de Agosto de 1992, p. 9. Idem, “«Casas em cima de casas» Apontamentos sobre o espaço doméstico da Baixa Pombalina” in Monumentos, n.º 21, pp. 88 a 97. 82 10 de Novembro de 2005 João Miguel Simões A Casa das Varandas da Praça da Alegria BRAGA, Helena Sofia, “A Pintura mural do Salão Pompeia. Estudo histórico, artístico e programático” in SERRÃO, Vítor (Coord.), Estudos de História da Arte, novos contributos, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 2002, pp. 207 a 220. CALADO, Margarida, “Alexandrino, Pedro” in PEREIRA, José Fernandes (dir.), Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 1989, pp. 23 a 25. CÂNCIO, Francisco, Lisboa: tempos idos, Vol. 2, Lisboa, s. e., 1958. CARVALHO, Pinto de, Lisboa d’outros tempos, Vol. 2, Lisboa, Livraria de António Maria Pereira, 1899. CASTILHO, Júlio, Lisboa Antiga: Bairros Orientais, Vol. X, 2ª Ed., Lisboa, Serviços Industriais da Câmara Municipal de Lisboa, 1937. Idem, Lisboa Antiga: o Bairro Alto, Vol. V, 3ª Ed., Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1966. CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain, Dicionário dos Símbolos, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997. COSTA, Mário, O salitre e as suas imediações, palestra proferida na sede do Grupo Desportivo do Banco de Portugal em 5 de Dezembro de 1951, Lisboa, Tipografia do Banco de Portugal, 1952. CUNHA, Xavier da, “A Feira da Ladra na Praça da Alegria” in O Occidente, Lisboa, Ano 7, Vol. 7, n.º 213, 1884, pp. 260 a 262. FERNANDES, Paulo Jorge, As Faces de Proteu, Elites Urbanas e o poder municipal em Lisboa de finais do século XVIII a 1851, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1999. FRANÇA, José-Augusto, Lisboa Pombalina e o Iluminismo, Venda Nova, Bertrand Editora, 1987. Idem, A Arte em Portugal no século XIX, Vol. 1, 3ª Ed., Venda Nova, Bertrand Editora, 1990. Idem, “De Pombal ao Fontismo: O Urbanismo e a Cidade” in MOITA, Irisalva, O Livro de Lisboa, Lisboa, Livros Horizonte, 1994, pp. 363 a 388. FREIRE, João Paulo, Lisboa do meu tempo e do passado: do Rossio à Rotunda, Vol. 1, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1929-1930. GAMEIRO, Roque, Lisboa Velha, Lisboa, Assírio Bacelar, 1992. GOMES, Paulo Varela, “Jornadas pelo Tejo. Costa e Silva, Carvalho Negreiros e a cidade póspombalina” in Monumentos, n.º 21, pp. 132 a 141. LAINS, Pedro, e SILVA, Álvaro Ferreira da (organ), História Económica de Portugal, 1700-2000, 3 Vols, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2004. MACHADO, Virgílio, O Doutor Bernardino Gomes 1768-1823: a sua vida e sua obra, Lisboa, Portugália, 1925. MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho, “Um projecto de Vincenzo Mazzoneschi para o primeiro barão de Quintela, em inícios do século XIX” in Monumentos, n.º 21, Setembro de 2004, pp. 98 a 107. MINISTÉRIO DA MARINHA, Lista da Armada, Lisboa, Ministério da Marinha, 1962. PAMPLONA, Fernando de, Dicionário de Pintores e escultores Portugueses ou que trabalharam em Portugal, 4ª Ed., Barcelos, Livraria Civilização Editora, 2000. 10 de Novembro de 2005 83 A Casa das Varandas da Praça da Alegria João Miguel Simões PEREIRA, José Fernandes, “O Neoclássico” in PEREIRA, Paulo (Dir.), História da Arte Portuguesa, Vol. III, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pp. 183 a 205. PEREIRA, Nuno Teotónio, Prédios e Vilas de Lisboa, Livros Horizonte, 1995. PINHEIRO, Joaquim Gil, Roteiro de Lisboa, São Paulo, s.e., 1905. RIO MAIOR, 2º Marquês de, “ O Colégio Francês da Praça da Alegria” in Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa, n.º 53-54, 1960, pp. 41 a 47. ROSSA, Walter, “A Cidade Portuguesa” in PEREIRA, Paulo (Dir.), História da Arte Portuguesa, Vol. III, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pp. 233 a 323. Idem, Além da Baixa: Indícios de Planeamento Urbano na Lisboa Setecentista, Lisboa, Instituto Português do Património Arquitectónico, 1998. Idem, “Do Plano de 1755-1758 para a Baixa-Chiado” in Monumentos, n.º 21, pp. 22 a 43. SANTANA, Francisco, Índice da Lisboa Antiga e da Ribeira de Lisboa de Júlio de Castilho, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1974. SEQUEIRA, Gustavo Matos, Depois do Terramoto: subsídos para a história dos bairros ocidentais de Lisboa, Vol. 2, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1967. SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História de Portugal, Vol. VI, Lisboa, Editorial Verbo, 1982. SILVA, Augusto Vieira da, “ A Feira da Ladra” in A Feira da Ladra, Lisboa, tomo 6, n.º 6, 1936, pp. 89 a 102. SILVA, Raquel Henriques da, Lisboa Romântica. Urbanismo e Arquitectura, 1777-1874, Dissertação de Doutoramento apresentado à Universidade Nova de Lisboa, 1997. STOOP, Anne de, Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa, 4ª Ed., Porto, Livraria Civilização Editora, 1999. TORGAL, Luís Reis (Coord.), O Cinema sob o olhar de Salazar, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2000. 84 10 de Novembro de 2005